quarta-feira, 25 de junho de 2008

Paz e amor.

A mágica de ter um filho é ver nele um pouco de você, misturado com um pouco da pessoa que você ama e, ainda assim, saber que ele não é nenhum dos dois. É uma alegria, filho. Você me conquista pelas nossas semelhanças e também pelo que tem de complementar. Sou toda boneca pra me vestir e me vejo apaixonada pelo seu charme hippie. É o seu pai em você. É ele em mim. Somos nós dois, eu e ele, ganhando mais estrada pela vida afora. De um jeito que você vai escolher. Isso é bonito demais.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A parede.



Repare bem, filho. Aquele labrador que brinca feliz no meio do mato é imaginação do seu pai. Aquele céu azul por onde passeiam finas nuvens foi ele quem pintou. Desejou para você um mundo assim. Talvez pensasse um dia trazer de surpresa um cachorro preto com alma de moleque. Pra passear com a gente no jardim da casa que ele sonhava construir. Talvez não tenha tido tempo para pensar, só pra sentir. Aquele era mesmo o desenho sonhado para o quarto do filho? O tempo se encarregou de decidir. Se um ponto final com jeito de vírgula o tirou daqui para sempre, ficou o desenho no meu computador. Aquela era a parede. Ponto. Antes, eu quis para ela carneirinhos macios. Quis tantas coisas que assim não foram. Aquele era o seu mundo e estava pronto. Achei lindo. Acho que tive tempo de dizer isso pra ele. Diferente de um quarto de bebê. Forte e delicado como o pai do bebê. Hoje, é diante dessa parede que você brinca. Parede que é um céu. E eu sigo, sem parar para pensar se à minha frente está o que desenhei pra mim. Não me lembro do desenho. Sigo achando bonito mesmo assim.

terça-feira, 17 de junho de 2008

O sósia.

Pouco tempo depois da morte do seu pai, muitas pessoas começaram a comentar comigo sobre um ator que se parecia muito com ele. Depois de um tempo fui conferir, vi que era verdade e que, além de parecido mesmo com o seu pai, o cara era um bom ator. O nome dele é João Miguel e ele tem feito muitos filmes nacionais. Por um tempo fiquei confusa a imaginar o que eu sentiria se o visse pessoalmente. Bobagem, eu disse para mim mesma. Pura transferência. E me perdoei por essa fantasia infantil que tenta acreditar num desfecho menos definitivo para a morte. Outro dia vi uma entrevista desse ator na TV e o sotaque baiano me impressionou. Seu pai, apesar de ter nascido no Piauí, tinha sotaque paulista, pois foi em São Paulo que morou por muito tempo. Por causa do sotaque, o "incômodo" da semelhança passou. Mas nesse fim de semana eu fui a São Paulo. Era a primeira vez que eu viajava desde a minha última viagem com seu pai, naquela passagem de 2006 para 2007. Dois únicos dias naquela cidade e, num bar na Vila Madalena, fui surpreendida pela presença do cara. Não sei explicar o que me aconteceu. O coração bateu forte. De perto, era ainda mais parecido. O jeito. O charme. A presença. Até o tipo de roupa. Ele estava com outras pessoas, talvez a namorada ou mulher. Levei um tempo com medo do ridículo até que, encorajada por duas grandes amigas, finalmente pedi que ele tirasse uma foto comigo. Expliquei o motivo. Muito chato incomodar um ator assim. Pelo pequeno resumo que fiz, ele ficou tocado. Não pude explicar mais, não falei de você, não queria incomodar. Bem que deu vontade de brincar e dizer "Quer ver como seria o seu filho comigo?" e mostrar orgulhosa uma foto sua. Talvez eu pudesse ser mais ousada: "A gente poderia namorar. Já tenho até um filho parecido com você". É claro que isso tudo é só uma brincadeira. Mas confesso que a presença dele me deixou confusa. Não era o seu pai, filho. Era outra pessoa. Tenho que respeitar os dois. Mas era alguém muito, muito parecido com ele. Parece que eles vieram do mesmo mundo. Difícil saber o que fazer quando você encontra um sósia do cara que você amou profundamente e que não existe mais. Mais difícil ainda é perceber que a semelhança não é só física. Os dois têm aquela coisa quente do Nordeste que nem sei. Um olhar apertadinho, os olhos pequenos e doces. Uma coisa assim que não se explica, que não tem nome. Mas que o seu pai tinha e que eu não imaginava encontrar em outra pessoa. Ai ai. De certa forma, dá um alívio saber que no mundo ainda existe um sorriso assim.

Eu e seu pai em setembro de 2006.

João Miguel e eu em junho de 2008.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

12 de junho.

Hoje é dia dos namorados, filho. Uma data inventada para vender mais flores, jóias, perfumes, roupas, cartões românticos e todo tipo de produto que possa acompanhar ou substituir um carinho. A despeito de ter sido inventada para esse fim, esse dia acaba lembrando às pessoas sobre uma coisa importante: o amor. Parece incrível, filho, mas quando a vida nos engole isso chega a acontecer. Por duas únicas vezes eu e seu pai passamos juntos o 12 de junho. Mas, incrível, em nenhum deles estávamos oficialmente namorando. Tivemos uma história assim, com algumas idas e muitas vindas. Estivemos separados, embora o tempo todo juntos. Também não me lembro de algum presente que ele tenha me dado em datas como aniversário ou Natal, como manda o figurino. Foram todos fora de hora. Às vezes porque ele se apaixonava pelo presente, às vezes porque via meu olhar apaixonado diante de uma vitrine. Observava, com aqueles olhos amorosos, depois fazia o carinho. Eu podia não estar atenta. Ele sempre estava. Um charme do seu pai, que fazia mais gostosa a vida ao lado dele. Fazer da rotina uma surpresa. Até aquela manhã de sol, quando o que parecia ser começo virou fim. Você devolveu: o que parecia ser fim era só o começo. Surpresa, mais uma vez. Feliz dia dos namorados, meu presente mais querido.

Acabo de descobrir.

Quando você não tem a pretensão de, pode acabar conseguindo.

domingo, 8 de junho de 2008

Qualquer coisa.



Outro dia fui ao show do Arnaldo Antunes e este novo arranjo para uma música já conhecida me fez senti-la de um jeito bem diferente. Pela primeira vez, a letra falou comigo. E vi que ela poderia resumir a minha história com seu pai. Chorei, chorei muito. Pela beleza do acordeon a me contar sobre esse amor. Um amor em que pode acontecer qualquer coisa. Você inclusive. A ida do seu pai num piscar. Acontece que quando quase tudo acontece, nem tudo continua sendo possível. Mas uma coisa é verdade: "a gente caminhando de mãos dadas de qualquer maneira".

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Nem sempre.

Nem sempre a saudade é querer que o tempo volte. Ontem vi uma mulher grávida atravessando a rua e reconheci nela um semblante que já tive. Lembrei o tempo em que você estava aqui dentro, filho. Andar por aí levando a felicidade na barriga. Hoje, eu e você somos dois. Gosto tanto. Não trocaria esse momento pelo anterior, como também não daria o que tenho para ter o seu pai de volta. A vida na sua medida. Aceitá-la é sábio: transformar a saudade em boa de sentir. Nem sempre a saudade é querer que o tempo volte.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Luxo.

Hoje acompanhei o caminhão de lixo no meu curto caminho até o trabalho. Enquanto recolhiam os sacos, os lixeiros corriam e sorriam. Achei tão bonito.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Pé-de-meia.

Comprei pra você meias azuis, amarelas, cor-de-rosa, verdes, alaranjadas, vermelhas, brancas. Acho divertido ver seus pezinhos nelas. Com antiderrapante, permitem que você dê suas voltinhas pela casa, deixando o ambiente mais colorido. Dias atrás, descobri que uma delas estava com um furo enorme, deixando sair a cabecinha do dedão do pé. Se é que se pode chamar de dedão o desse pezinho fofo, esse pezinho-pão. E logo eu, que nunca mantenho roupas furadas, rasgadas ou desbotadas, ainda não tomei providência para tirar a meia da sua gaveta. Acho que me apeguei à imagem do seu pezinho roto e maltrapilho, um maltrapilhinho engraçado e querido. Nunca consegui fazer de fato um pé-de-meia. Mas quando olho para o seu pé com o dedãozinho escapando, me apaixono e rio sozinha. Fiz foi muito mais na vida, filho. Fiz você (perdoe a minha pretensão). Tem pé-de-meia mais caro?

Semelhanças.

De: guifraga
Data: 14 de novembro de 2006 18h50min6s GMT-02:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: Re: Amor, olha que lindo.

que linda, amor, linda demais.

On 14/11/2006, at 18:26, Cristiana Guerra wrote:

Avó e bisavó do Cisco, amor.
Agora juntas, zelando por ele lá de cima.




No ombro da mãe, sua avó Dulce.
Ela também perdeu o pai antes de nascer, filho.
Esse email eu mandei para o seu pai poucos dias
depois da morte da sua bisavó.
Eu gostava dela, mas éramos muito diferentes.
Ou nem tanto.

Significados.

De: guifraga
Data: 3 de outubro de 2006 15h53min5s GMT-03:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: Re: Francisco significa...

Ele é franco, amor.
eu tb amo ele dimaish...

bjbjbjbjbj, amor


On 03/10/2006, at 15:48, Cristiana Guerra wrote:

Qual a origem e significado do nome Francisco?

Francisco Figueiredo
Luxemburgo

Segundo o «Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa» de José Pedro Machado, Francisco é «adaptação port. do antr. it. Francesco. O nome difundiu-se por ser o de S. Francisco de Assis (…). Trata-se de 'Franciscus, latinização de Franco ou Franko, nome étnico, com o sufixo germânico -isk-, isto é, Fränkisch' (…). A origem está no lat. medieval Franciscus, der. étnico de Francus, 'franco' (…), depois, (…), confundiu-se com o adj. francisco, de França + -isco (…).»

C.M.




Traduzindo, amor: Francisco não significa absolutamente nada.
Mas mesmo assim eu amo ele.

Amorzinho.

Cristiana Guerra
Diretora de Criação

Assim, do nada.

De: guifraga
Data: 27 de setembro de 2006 17h10min44s GMT-03:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto:

amor