quarta-feira, 30 de julho de 2008

Paris continua lá.



Estive em Paris - e somente em Paris - por nove dias em março de 2004. Fui com meu primeiro marido e talvez seja esse um dos motivos pelos quais quero voltar.

Imagine, filho, discutir em frente à antiga ópera da cidade por causa de uma foto digital que ficou sem foco e descer a Avenue de L'Opera aos prantos. Imagine não poder comer num bom restaurante nem por uma noite, em plena Paris, para economizar. Imagine ficar com sede porque a Coca-cola custa 4 euros.

Ganhei a passagem num prêmio de publicidade. Era uma última tentativa de salvar o casamento, eu esperava voltar grávida e, graças a Deus, isso não aconteceu. Hoje tenho você (descobri há pouco que Francisco significa "vindo da França), fruto de outro amor e de outras circunstâncias.

De qualquer forma, a viagem foi incrível - não há como não gostar de Paris. Um lugar que mistura o novo e o velho com perfeição. Homens e mulheres bonitos, roupas impecáveis, cortes de cabelos idem. Museus recheados de obras que a gente só conhecia nos livros e outras absolutamente fantásticas que nunca poderíamos conhecer sem ir até lá. Um ou dois cafés em cada esquina, muitas livrarias. Parar e ler os jornais ou um livro, brincar com o seu cachorro ou apenas ficar observando as ruas lindas, gente indo e vindo, a arquitetura primorosa, os estímulos visuais no meio dos prédios antigos amarelo-acinzentados. As pessoas em Paris realmente param para viver.

Eu me lembro de uma mulher impecavelmente vestida, parada no semáforo em sua bicicleta e usando um celular ultramoderno. Isso é Paris. Um lugar com um metrô antigo e eficiente, mas perfeito para andar a pé. Essa parte o ex-marido adorou, já que é de graça.

Ficamos hospedados em Saint Germain des Prés, bairro intelectual e charmoso, ao lado do Quartier Latin. O hotelzinho, com um quarto pequeno, mas delicioso e quentinho para aquele fim de inverno, fica numa ruazinha chamada Saint Benoit, exatamente entre os dois cafés mais tradicionais da cidade: o Café de Flore e o Les Deux Magots. Ali, Sartre, Simone de Beauvoir e seus amigos se encontravam para fumar seus cigarros, folhear seus livros, anotar nos seus moleskinis e falar de arte, filosofia, psicanálise, literatura. Eu pensei muito em psicanálise ao perceber que chegaria ao fim da viagem sem experimentar uma rápida sentada para um café num desses dois lugares. Mais uma vez, o ex-marido me desencorajou por causa do preço.

Tantas pessoas me paravam na rua para pedir informações, com o olhar confiante de que eu as teria. E eu me sentia uma autêntica parisiense. Acho que tenho mesmo alguma coisa antiga com essa cidade. Mas apesar de me sentir parte da cidade, não pude sentir todo o seu gosto.

Tenho vontade de voltar à Place des Vosges, revisitar a casa de Victor Hugo, rever seus desenhos lindos para o Corcunda de Notre Dame. Faltou ver a Monalisa no Louvre - depois de um passeio obrigatório por toda a parte do Egito, acabamos não tendo tempo de ver a Monalisa. Mas, quem é a Monalisa diante de tantas múmias e sarcófagos importantíssimos, não?

Faltou um chocolate quente na Rue de Rivoli. Eu também compraria sapatos por lá. Tomaria mais vinhos, sairia pra jantar. Talvez não visitasse nenhum ponto turístico e experimentasse a vida de um típico parisiense – é assim que gosto mais de viajar.

Passear pela Rue de Mouffetard, a mais antiga da cidade, que faz qualquer manhã cinzenta ficar azul. E lá comprar frutas, flores, um vinho bordeaux por 4 euros. Ir ao Jardin des Plantes só porque o lugar é bonito, sem nenhum interesse no museu de história natural que ali está.

Deixar a câmera fotográfica em casa. Namorar na Point Neuf, olhando para o Sena. Tomar sorvete de chocolate na Ile de Saint Louis. Passear pela Place Vendôme sem se espantar com os enormes e lindos cartazes de propaganda, olhar as vitrines das joalherias como quem tem dinheiro para entrar e comprar.



Descer a Champs Elysées a pé. Comer um croissant na Fauchon, terminar a tarde lendo um livro – em francês – no Jardin du Luxembourg. E, ao voltar pra casa de metrô, aliviar o cansaço ouvindo alguém tocar violoncelo ali, ao seu lado.

Eu e seu pai tínhamos um combinado: eu ia apresentar Paris pra ele, ele ia me apresentar Londres. O desejo ficou na família. Eu e você vamos juntos, filho. Prometo.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Um segundo.

Quando você deita a sua cabecinha no meu ombro como se eu fosse a sua casa, reconheço a sensação. O abraço que você busca em mim, eu buscava no seu pai. Eu era você no ombro dele.

Acho que família é feita dessa alquimia, que junta duas pessoas de dois mundos diferentes para criar um terceiro. Eu e seu pai fizemos a dois esse lugar em que eu e você vivemos.

Antes de partir, ele plantou família em mim. Deixei de ser só, virei igual. Tão grande e tão pequena quanto qualquer um.

Estou melhor para seguir em frente. Levo tão mais comigo. Olho pra frente: sonhos me esperam. Pessoas, surpresas, conquistas, bênçãos. Olho pra frente: você.

Não acordo nem vou dormir lamentando a falta do seu pai. Esbarro nela de vez em quando. Eu vivo, ele falta. Eu vivo, ele falta. Vejo isso em você.

Mas talvez para você não falte nada. Algumas vezes não o vejo em você, não dói, não me lembro. Em outras tantas, você me volta um olhar conhecido – novo por ser seu, mas, ainda assim, dele. Nessas horas, pontadas. Depois passa. Meus olhos para você são de futuro, filho.

Não sei o que é a morte ou o que existe por trás dela. Sei o que fica. Sei que a ordem das coisas foi abençoada. Sei que você já nasceu ganhando, sorrindo, descobrindo.

Mas ele perdeu, filho. Isso não muda. E foi por tão pouco. Um triz. Talvez um único segundo.

Um segundo e o que era futuro virou passado, sem ter sido presente. Um segundo e os planos se rearranjaram na pressa, a medida do sonho passou a ser a do possível. Um segundo e a resposta era outra. O passado virou mentira, desapareceu, passou a ocupar o lugar do sonho.

Um segundo e já não seríamos três. Eu e ele, eu e você. Viramos quatro, dois a dois. Hoje sou tão outra.

Mas se aquele dia tivesse tido apenas 23 horas, 59 minutos e 59 segundos. Não houvesse aquele tal segundo e talvez passássemos juntos cada fim de semana, ele a dirigir o carro, a carregar a bolsa de bebê, nós três a passear pelo supermercado exibindo suas travessuras e discutindo por causa da marca do molho de tomate. Não houvesse esse segundo e meus braços não doeriam tanto ao final de um domingo. Eu descansaria para dar mais de mim a você, para que sua infância não corra de mim.

Por um segundo, não foi o seu pai: foi o sonho que morreu para ele. Conhecer você, ver seu rosto, pegar você no colo e exibir: "meu filho". Um sonho tão certo. Coisas lindas que a mim não foram negadas.

Mas outras foram. Um segundo e o que não era papel sumiu no ar. Assinaturas ficaram maiores que uma história, vida, morte, nascimento. Um segundo e o que vivemos ou sentimos precisou de provas. Desapareceu. Um nome, um futuro, família, respeito. Um segundo e a vida é só um processo, um título, uma relação biológica. Um segundo e bens. Sem desejo ou afeto.

Um segundo e somos só nós dois. E um mundo.

Diante do que fluía como um creme, a vida endureceu. Não ficou triste, trágica, dramática. Tornou-se difícil. Como tantos outros, como todos, estou diante da complexidade.

Mas não a admito. Quero, corro, rio, penso, crio para que pareça fácil. Não é possível, no meu momento mais bonito não cabe o difícil, só cabe o que flui. Como creme, dança, como cena em slow motion.

Um segundo, muitos e muitos outros. A vida deu voltas à minha volta e não sossegou enquanto não comecei a escrever. Um segundo e estou eu aqui a falar. Com você e com um mundo.

domingo, 20 de julho de 2008

Buquê.



Seu pai me mandou flores algumas vezes - em todas elas, escolhia pessoalmente a composição do buquê. Acho que essa deve ter sido a primeira. E eram flores tão bonitas que eu e Tia Telida resolvemos fotografar. Ainda bem.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

É por isso que eu canto assim.



Quando nos apaixonamos, ele me mandou essa música de presente. Dois anos depois, foi ela que cantei pra me despedir. Eu precisava dizer que era recíproco. Com ele aprendi a sorrir, com você reaprendi. A festa não pode parar.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O grande amor.



Stan Getz e João Gilberto, eu e seu pai. Encontros assim fazem a vida ficar mais bonita. Outros encontros estão sempre acontecendo – é preciso prestar atenção. Ouve essa música, filho. Olha a letra. E me diz se não dá uma grande vontade de viver. Só por existir alguém que faz da tristeza essa melodia. Quando a gente diz "tocar a vida", até que tem poesia.

sábado, 12 de julho de 2008

Declaração de bens.

Não quero o vestido preto da viúva. Nunca o quis. Vesti, sim, um preto longo e bonito, tomara-que-caia, para irmos, nós dois, dar adeus a seu pai. E cantei foi um samba na hora da despedida. Sei que ele ficaria orgulhoso por isso – nossos pactos não se desfizeram com sua ida.

Tive medo, sim, que me vestissem o preto. A burca. A não-existência em nome do que passou.

Talvez eu seja vista assim, ainda de preto, por quem me lê e apenas me lê.

Você não. Você me sabe. O que vê de mim é a mãe, nascendo tão criança quanto você. Aprendo a andar, a falar, balbucio escolhas. Cresço de novo, descobrindo sobre mim o que assisto em você. Brincando, retomo caminhos e tento descobrir quem sou. Ou me faço de novo.

O passado é um lugar bonito para visitar de vez em quando. Não para morar. O tempo tem sua mágica. Não se vive uma vida de ontens.

Mas, de tempos em tempos é bom olhar para trás e redescobrir do que somos feitos. Que tijolos são esses que nos sustentam. E chorar. Para sentir, reconhecer. Chorar para sorrir.

Existe hora e lugar para isso. Aqui é um lugar.

Outro dia encontrei uma música que, eu me lembro, seu pai já mandou pra mim alguma vez. Não sei de quem é, não sei quem canta. Sei que é bonita. Sinto pelo que me suscita. E é ele que cresce em mim quando a ouço. A água brota dos meus olhos – e não é de tristeza.

Choro com o passado pleno. Choro com o futuro sonhado. Choro com o presente como é. O que tenho e o que perdi. O que perdi para me ganhar. Tenho tanto então. Tenho em primeiro o olhar para ver. Tenho o que me permite reconhecer.

Esse, sim, é o maior dos presentes. Tenho o que me permite estar de fato presente. Tenho tudo.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O berço.

Poucos dias depois da notícia da gravidez, vi seu pai fechar os olhos e sonhar com o filho a ocupar o berço bonito que um dos seus grandes amigos tinha feito para os filhos - com as próprias mãos. Amigo que seu pai admirava, entre outras coisas, pela “mãe” que ele sempre foi para seus meninos.

Essa é a história do berço em que você dorme, filho. Foi seu pai quem buscou na casa do amigo e montou no seu quarto, com carinho e orgulho, sem imaginar que não estaria presente para ver você dormindo lá.

Quem diria que o amigo que fez e emprestou o berço, numa brincadeira do destino, acabaria namorando a viúva.

Você era bem pequeno quando ele começou a freqüentar nossa casa e não vai se lembrar das mãos grandes que o pegavam no colo com a desenvoltura de quem levanta uma taça.

Talvez por ter vivido outras perdas e por estar ciente de que seu pai não iria voltar, um antídoto rápido correu em minhas veias trazendo o aviso e a urgência de outro amor. Cedo descobri que eu estava bem viva e os meus olhos, abertos.

Não sei definir tudo o que ele trouxe naquele momento tão especial e delicado. Conviver comigo e com você, num tempo em que nosso laço era ainda físico, num tempo em que quase físico era ainda o meu laço com seu pai. Aguardar com paciência as horas das mamadas, nos dar a sorte de estar presente em alguns momentos das suas cólicas, em que eu simplesmente não sabia por onde começar.

Teria sido difícil para qualquer pessoa. Talvez fosse bem forte a sua vontade de estar comigo. Só sei que, no meio do barulho e do silêncio, houve espaço para o amor crescer.

Enquanto eu aprendia a lidar com a sua presença, filho, eu e ele aprendíamos juntos a lidar com a falta do seu pai. Mesmo sendo para cada um de nós faltas bem diferentes, era alguma coisa a partilhar. E assim a memória do seu pai nunca nos afastou, ao contrário: falávamos de nós, íamos nos conhecendo, mas em boa parte das conversas o Gui estava presente e não havia constrangimento quanto a isso.

Eu tinha você, ele tinha os filhos, tínhamos nossas vidas, trabalhos, obrigações. E ele tinha seus fantasmas. Hoje, vejo que eu também tinha os meus.

Eu queria amar de novo, e amei, mas algumas coisas só vêm com o tempo. Até mesmo a compreensão de que, apesar de amar, eu estava carregada de carências, anseios, faltas que ele nunca poderia suprir. A falta do seu pai sempre será a falta do seu pai. Não há ninguém que venha ocupar esse buraco. E nem deve. Há outros espaços para outros amores.

Não sei se o namoro acabou porque ele encontrou outro amor ou se ele encontrou outro amor porque o namoro acabou. Nas frases curtas dos filmes americanos, tudo parece mais fácil. “I met someone else”, ele teria me dito. Hoje, está feliz e apaixonado por uma paulistana bonita que, embora comigo nunca tenha sido simpática, estava no seu direito. Foi a primeira vez que me senti trocada. Mas acho que 2007 foi mesmo um ano de novas experiências.

O tempo passou, quase não nos vemos, mas ficou alegria. O que ele veio fazer, com sua timidez e delicadeza, hoje compreendo. Chorar ou sorrir junto comigo, ser meu amigo naquele momento de transição para, juntos, chegarmos a outro lugar. Trazer para perto de mim o que do seu pai havia ficado nele. E também o que ele tinha de novo, de diferente. Abrir minhas portas para viver novos sonhos.

Seria ingenuidade pensar que ele também não tenha buscado um pouco do amigo em mim.

Foi um amor bonito. Foi troca. O mais bonito foi assistir aos olhares amorosos que ele dirigia a você. Acho, e já disse isso pra ele, que ele foi e sempre será um pouco seu pai também.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Cafuné.



Ele tinha um jeito moleque de seduzir. Como se não percebesse, não calculasse. E não era mesmo cálculo, era bordado. Talvez fosse terapia tecer algum atalho que o fizesse chegar bem pertinho, mesmo estando longe. Um cafuné de dedos bem longos. O tempo passou, a vida mudou e hoje estou de novo diante desses dois desenhos-poemas, colagens feitas por ele no computador, enviadas por e-mail nos tempos em que a nossa distância era mais que física. Era seu pai tentando dizer o que sua boca não tinha coragem. Talvez tentando dizer para si mesmo o que o tempo se encarregou de mostrar: era difícil separar a gente. Só mesmo a vida. Ou nem mesmo ela, pois surgiu você. Que outro laço para sempre? Mas a vida continua. Ou melhor: recomeça. Em você – e não só em você, não só por você. Recomeça em mim, fresca, vento batendo no rosto, brisa trazendo sonhos novos. Foi ele que me mostrou isso. E o que mais nessa história eu poderia ler?

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Musiquinhas.



Delícia era encontrar presentinhos assim na minha caixa de e-mails. Era o jeito dele de fazer mágica com a rotina. Pequenas surpresas, diariamente.