sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Better together.



Hoje acordei depois de uma semana cansativa e como sempre me pus a andar descalça pela casa. Você saiu pra passear, eu tomei o meu café e fui ouvir o Jack Johnson que dançamos ontem à noite pra você dormir. Enquanto eu arrastava sofás e poltronas tentando recolher as bolinhas da piscina que improvisamos, a música me falava sobre você hoje, sobre o seu pai ontem, sobre essa minha história que não pára. Tudo isso que é uma vida só. Desprezando o cansaço, o movimento do meu corpo era disposto e livre. Eu cantava de alegria e saudade, uma saudade ensolarada. Sempre a falta dele. Mas senti um sorriso no corpo e pensei sobre as manhãs. Não por acaso a vida é assim. Acordar e acreditar que tudo vai ser novo e melhor, sentir que já está sendo bom, não importa se exatamente do jeito que a gente sonhou. Você, filho, é a minha manhã fresca de sol.

Documentos importantes.

Uma certidão de casamento com carimbo de averbação de separação, uma certidão de óbito e uma de nascimento sem o nome do pai. É assim que o cartório vê a minha vida.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A do meio.

Eu me lembro que meu pai carregava na carteira uma foto em preto e branco. Ela ainda bebê, rostinho colado no rosto da minha mãe. Em comum, a doçura das duas. Com o tempo vimos crescer com ela a doçura e muito mais da minha mãe.

Quando éramos pequenas, antes de dormir havia um ritual. Ela se deitava ao meu lado na cama e uma de nós fazia cócegas nas costas da outra. Um dia eu, outro dia ela. A medida era contar até cem. Guardo essa cena comigo e dela não me desfaço.

Dois irmãos mais velhos, duas irmãs mais novas: coube à sua tia o desafio de ser a filha do meio. Aquela que fazia do sorriso o caminho entre um lado e outro da família. Vivia tão perto da minha mãe e tinha um truque secreto que a fazia também próxima do pai. E eles não viviam exatamente no mesmo lugar.

Ao longo do caminho, vivemos histórias diferentes. Por conta do segundo casamento do meu pai, eles se perderam um do outro. Minha madrasta não teve habilidade para lidar com aquele laço. A foto na carteira virou lembrança.

Comigo o caminho foi contrário: o tempo me trouxe o pai de presente.

Ela nasceu em São Paulo, eu em Belo Horizonte. Ela a irmã do meio, eu a caçula. Ela se casou aos 22, eu aos 31 – e me separei aos 34, achei outra pessoa e fiquei viúva aos 36. Só depois disso tudo é que virei mãe. Ela tem três filhas e a mais velha já é mais encorpada que a tia. Ela teve poucos namorados. Eu não paro de ter os meus.

Eram muito mais que cinco anos a nos separar.

O tempo passou e nos fez perder muitas coisas pelo caminho. Diferenças também se foram. Éramos de gerações distintas. Não somos mais. A vida nos deu uma para a outra. E descobrimos tanto em comum.

Com seu olhar sereno, sua tia estava bem ao meu lado no dia em que você nasceu. Veio um pouco sua avó, um pouco seu pai. Trouxe muito de si mesma.

Essa semana ela me fez uma visita. Ligou, tinha saudade, veio à nossa casa antes do trabalho. Num vai-e-vem dentro do quarto, fizemos das novidades um resumo rápido entre um vestido e outro. Para nós, as coisas nunca foram tão fáceis. Acho que isso, sempre tivemos em comum.

Na despedida, um abraço comprido. Maior e mais longo que de costume. Intenso, forte, sem dizer nada. Não era mesmo preciso.

Viemos do mesmo lugar. Sabemos uma da outra. Das dores e dos sorrisos.

Com cada irmão, uma história de amor. A nossa é assim.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Para agradecer.

Muito obrigada é pouco, é nada.
Fica um sorriso no meu coração.
Um sorriso para cada um.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O impossível.

Eu gosto de gostar mais de hoje que de ontem. Gosto de me sentir melhor a cada dia, olhar foto e me preferir atualmente. Por isso era tão difícil acordar nos dias após a morte do seu pai. Ao longo do tempo, reaprendi essa preferência. Gosto de novo do andar da vida como ela é. Mas ontem de manhã, por um instante, eu e você dançamos de pijama pela sala. Você no meu colo, o Jack Jonhson no som e seu pai tomando de assalto o meu coração. Enquanto eu chorava, você dizia "Mamã", a cabecinha feliz aconchegada no meu peito. Sim, de vez em quando vem o choro a me surpreender mais uma vez. Muito de vez em quando, mas ainda acontece. É que me lembrei do meu aniversário de dois anos atrás, naquela mesma sala. A notícia da gravidez ainda fresca e a felicidade estampada nos gestos de cada um. Ninguém precisava se preocupar com o que trazer, pois já havia o presente a comemorar. Lembrando desse dia cometi o pecado de desejar, não que o tempo voltasse, mas que o seu pai estivesse aqui agora. Só mais uma vez. Para comemorar meus 38 anos comigo e com você. Que viesse somar a presença dele ao que já é tão bom. Foi um pecado rápido. Doído e chorado, pois era preciso.



Isso foi ontem. Hoje é outro dia. Eu pensava ser impossível, mas tenho agora a idade do seu pai. E é acreditando no impossível que quero comemorar. Acreditando em cada sonho exagerado que já sonhei. Por que não?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Patrimônio.

Na casa da Juju, eu era rica. Lá eu tomava suco de tomate temperado e comia enormes azeitonas azapa para abrir o apetite. Na hora do almoço, tomava de um gole só o delicioso suco natural de mexerica – mas antes eu tinha que comer tudo, enquanto as lágrimas desciam pelo rosto, sob os olhares militares de Vicenza, empregada-egípcia-casada-com-seu-antônio-italiano-que-fugiu-pra-cá. Tinha também a bacalhoada com pedaços gordos do próprio bacalhau, sem precisar pescar entre uma batata e outra. Nham, nham, nham, que bom mastigar o bacalhau todo e bom. No Natal, Vovó nos dava de presente notas novinhas do dinheiro da época. Eu era rica contando as muitas notas que para mim eram muitos dinheiros. Na casa da outra avó eu era invisível – neta mais nova de 14. Só ouvia um ou outro primo ou tia ou tio ou mãe ou pai ou mesmo a própria avó a me mandar para um lado ou outro, pra buscar não sei o quê. Hoje, a neta estampada não passa despercebida. Na casa dessa vó tinha um armário com um cheiro de antigo e doce que dá saudade. Era lá que moravam balas, chocolates e outras riquezas insuspeitas. De novo eu era rica e não sabia. Depois chegar em casa e encontrar uma geladeira onde tudo de especial era do meu pai. Eu tinha que respeitar alguém que detinha um território tão grande. Você não passaria por isso, filho. Seu pai iria cozinhar e preparar as coisas mais gostosas como assim faz a sua avó. Talvez passasse a ser você o rei da geladeira. Alegria saber que tive tempo de descobrir meu pai e ver que o rei não mordia. Você vai crescer amigo do seu. Esse de quem a cada dia tento trazer um pedacinho.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O desejo.

Ele gostava de passear com seus dedos sabidos a procurar coisas pelo mundo sem sair do lugar. E me mostrava orgulhoso algumas de suas descobertas. Meu coração já batia por ele quando ele me mostrou este desenho. Secretamente, desejei para mim. Desejei em mim. Mas a idéia dele era tatuar em si mesmo. Respeitei. Talvez eu tenha exagerado no desejo. O fato é que o tempo passou e ele não fez a tatuagem. Como se não fosse dele o desenho. Encontrou o que a mim já pertencia. Não me lembro mais como foi que ele resolveu me presentear com o traço, se fui eu quem o seduziu a fim disso. Lembro que não foi difícil. Se naquele tempo ele parecia querer se afastar de mim, não o fazia com muita convicção. Seu pai e Tio Dani pensaram juntos e o desenho ganhou uma espécie de sombra, de outra cor. Como um coração saindo de si mesmo, saindo do corpo. Um coração com alma. E foram comigo fazer a tatuagem. Eu já tinha feito tantas. Mas naquela, vez por outra, havia o braço dele, carinhoso, a tocar o meu. Havia o seu olhar de zelo a pousar sobre mim. Eu queria o coração dele tatuado em mim. Queria muito.

foto: Gianfranco Brisceño

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Olhos de poesia.


Ele fez a foto e chamou de Audrey. Gui querido.

domingo, 10 de agosto de 2008

Semântica.

Ele não gostava da palavra sedução. Para ele, ali estava contida uma intenção, um interesse, como se ele buscasse agradar os outros para ser aceito. Bobagem. Seu pai era sedutor, filho. Não um sedutor. Mas a palavra é merecida e única. Seduzia, não para ser aceito, mas por já ser. E era detalhista a sua sedução – nunca exagerada ou grandiosa. Difícil não se sentir por ele seduzido. Uma pessoa-amor, que entre seus prazeres cultivava o de fazer os outros felizes em pequenos gestos e coisas simples.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Pequenos milagres.

É tão bonito que ele ainda
me sorria pelas manhãs,
que cresça diante de mim
a aprender e me descobrir

Privilégio cuidar dele
de novo
misturado a mim
dar a ele as mãos
e ver crescer
o que sou eu,
o que sou ele,
o que somos você.

Milagre que ele se perpetue em mim.

Que ainda me surpreenda
e se revele
em cada passo ou palavra
exibindo também
algo de mim.

Perfeito que
nele eu faça cosquinhas,
e comigo ele brinque
de esconde-esconde,
renove meus dias,
me remoce a vida
e me mantenha
apaixonada.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Delicadezas.


É só procurar que a gente encontra, filho.