quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A alma das coisas.

Uma caixinha pequena, com acabamento dourado e um espelho na parte interna da tampa, que ao se abrir revela o reflexo de uma bailarina rodopiando suavemente ao som de "Pour Elise". Este é o meu objeto favorito.

Além dele, uma plaquinha que encontrei entre as coisas da Vovó Juju depois que ela se foi, com os dizeres: "Em algum canto do coração, temos sempre vinte anos". Aquele poderia ter sido o seu epitáfio. Também por causa dela, tenho especial apreço por uma imagem de Buda em porcelana barata, que eu fitava em sua casa desde que me entendia por gente. Passei anos imaginando que aquela deveria ser uma relíquia valiosa. Depois de herdá-la, encontrei colada na base uma etiqueta do antigo supermercado CB Merci. No oco, descobri há pouco alguns algodões e um maço de notas de pesos argentinos – um verdadeiro tesouro, mesmo que já não valham nada.

Da outra avó, guardo cuidadosamente uma imagem de porcelana inglesa onde moravam meus olhos durante os almoços de Natal em sua casa: uma mulher e seu lago (seu próprio lago!). Gosto, não por ter sido da minha bisavó e pelo provável valor financeiro; gosto porque traz aquele encantamento da infância, e mais ainda porque minhas irmãs se lembraram disso ao me confiar o objeto, na hora da partilha.

Uma miniatura do Porsche 911, presente da Telida num dos meus aniversários, acolhendo minha paixão pelos carros. Com esse "carrinho", você sempre insiste em brincar. Não sem que eu sinta ciúmes — é que sempre desaparece uma das rodinhas, o que me põe em posições patéticas a procurar debaixo de camas e sofás.

Duas caixinhas ilustradas da Confeitaria Colombo, que um dia eu trouxe do Rio para o seu pai. Hoje, uma mora dentro da outra, na tentativa de guardar a sete chaves os cds de nossas músicas – e o tanto mais que os acompanha.

Um souvenir da Tour Eiffel que eu mesma comprei em Paris; uma miniatura de baú de viagem, toda etiquetada como se já tivesse rodado o mundo; um porta-termômetro dourado que meu pai ganhou na formatura de medicina e uma tacinha de licor que era para ele sua melhor lembrança da avó materna.

Se você prestar atenção, filho, vai descobrir que também já tem os seus objetos preferidos. E terá outros, ao longo da vida, que trarão lembranças, encantos, afetos, certezas, tremores. Algumas coisas têm essa sorte: tornam-se sinônimos das sensações que nos provocaram um dia. Sensações que escolhemos guardar. Por elas, ganham o privilégio de ter alma.

Dos meus, o mais vivo talvez seja a caixinha de música – que existe apenas na minha imaginação. Nunca a tive. Era sonho de criança ganhar uma de presente, mas não aconteceu. E é nessa caixa inexistente que a bailarina rodopia entre sonhos antigos e tolas esperanças, ao som de uma trilha simplória e abafada, que aí mesmo traz sua magia. Morando num invólucro que não existe, talvez seja mais fácil um deles um dia fugir e crescer. E eu particularmente torço por isso.

Feliz 2009, filho.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Um domingo.

Tive um domingo de enterro e festa.

O tio-avô, que para mim era a síntese da elegância e do humor, finalmente se foi depois de uma vida longa e de alguns últimos anos que não precisavam ser tão sofridos. Deixei você com sua avó, na correria, e corri para o velório lotado, onde, em meia hora, estive com dezenas de pessoas da família que raramente vejo, das quais quinze ou vinte encontraram um lugar especial em mim.

O tempo apurou meu afeto, e no olhar de cada um deles eu me lembro de uma presença preciosa em uma das minhas horas de falta, de um sorriso rasgado tentando me provocar a gargalhada. E entendo que, na correria de suas vidas, houve espaço para mim, como hoje há espaço na correria da minha para os filhos de quem agora se foi. E é nestes encontros esparsos que reconheço a matéria verdadeira do amor.

Eu estava chorosa, não só por saudade de alguém especial. Acho que o meu choro era de tempo. Um tempo que passa apontando silenciosa e timidamente para o que me parece ser a essência. Hoje, hoje, hoje. Não foi sem sofrimento que percebi esses sinais sutis. Mas posso dizer que a violência de certas faltas me trouxe a delicadeza que cultivo em lágrimas. Lágrimas, também, de alegria.

E então percebo que um enterro não é despedida, é celebração de vida, ritual menos necessário a quem vai e muito mais para quem fica. De novo, no confronto com a morte, a vida encontra sentido.

Do enterro, vou direto para um almoço de aniversário. E então vejo muitas outras pessoas que também têm abraço cativo em mim. A começar pela dona da festa, minha madrinha, em que sempre encontro uma maciez de mãe – talvez por ter sido tão amiga da minha.

Olho para sua vida: é um renascimento. Tantas pessoas e relações se foram, hoje tomo conhecimento. Tantas novidades aparentemente absurdas. Mortes e nascimentos, sempre.

Lembro de quando ela descobriu um câncer na tireóide. Na cena, minha mãe chorando por ela e meu pai com o seu ponto de vista médico: "Se ela viver até os 70 tá bom?" Lembro que esse assunto logo foi resolvido. Pouco tempo depois, foi minha mãe que não vi chegar aos 56, nem o meu pai aos 65.

Ela sorri. Está ali para comemorar seus 70 anos – não sem outros sustos maiores. Ela se reconstruiu, assim como muitos outros que estavam ali naquela festa, exalando uma alegria de amor.

E penso. Sorrio e choro de novo, depois penso em você. E corro ao seu encontro, pensando que, sim, este foi um domingo bom. E, sim, talvez eu tenha entendido.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Alegria, alegria.

Algumas pessoas são muito, muito delicadas. E a Leila está entre as minhas preferidas.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Sem adeus.

Tenho sentido seu pai distante, indo embora de mim. Resisto à tentação de pedir que ele fique. Não devo - não devemos. É hora de ir e deixar em mim o que precisa ficar. Como eu previa, as lembranças já não são frescas. É uma alegria e um alívio ter escrito. Distante da intensidade, por vezes acho pouco o que sei dele. Que sorte haver amigos e amor para me mostrar um tanto mais. Inevitável: você também fará isso. Nesse tempo todo de falta, procurei o costume como saída. Fiz da ausência um hábito, até que ela virasse paisagem. Mas de vez em quando entra um vento de dor por uma fresta insuspeita, atingindo minha pele com um frio de tristeza. Talvez eu sinta para sempre esses arrepios como quem tem uma doença crônica. Um reumatismo de amor que de vez em quando finca e maltrata. Depois passa. E volta – não há como virar uma página que insiste em crescer de novo diante dos meus olhos. Que insiste em se reescrever. Sei que você me é também, mas, como não me assisto de fora, não me reconheço. Talvez ele o fizesse. A esse paradoxo que me foi legado, dou o nome de sorte. É que ele não foi embora sem antes cuidar de renascer em mim.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Do alto da minha ignorância.

Não foi nenhum livro que eu li. Não foi nenhum filme que eu vi. Foi o que me foi dado a viver e o caminho, o único, o que encontrei para respirar. Foi a minha ignorância. Minha não pretensão, o meu não julgamento e uma lente de amor a distorcer (ou revelar?) a poesia. Antes de ser dúvida, já era texto, já era lido, já era. Arte por ser expressão legítima do que o coração gritava. E assim, inteira, absolvida pela ignorância, cometi a simplicidade de dizer o que sentia. Fiz, sem saber que a sinceridade era um atrevimento. E acho que vai ser sempre assim.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Quer ganhar um exemplar do "para Francisco"?


A Letícia Nogueira, do blog etc., está fazendo a gentileza de sortear um exemplar autografado do livro "para Francisco". Vai lá pra concorrer. E aproveite pra conhecer um blog bem bacana. Letícia, não poderia haver incentivo mais bonito. Obrigada.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Voar.

Eu tinha 11 ou 12 anos quando recebi dos meus pais um inédito convite a viajar com eles para Salvador. De avião.

Caçula de cinco irmãos, a alegria de voar pela primeira vez ao lado deles só não era maior que o orgulho de finalmente ter a companhia de pai e mãe só para mim. Talvez aquele tenha sido o primeiro grande evento da minha vida.

Anos antes, eu me lembro do tamanho da frustração quando eles viajaram para Diamantina levando todos os filhos para ver a Festa do Divino – todos, menos eu. Não me esqueço da perna engessada do meu irmão, que voltara com a assinatura do JK, em pessoa. (Embora fosse amigo do meu avô, a figura de Juscelino, aos meus olhos, era uma espécie de astro de Hollywood.)

E lá fomos nós voar de Vasp pra Bahia. Eu na janela, Papai e Mamãe ao lado. Emoção na decolagem. Prazer em cada minuto. Breve escala em Ilhéus e. E.

Ali a aeronave teve sérios problemas técnicos. Dali não mais saiu.

Descemos, esperando que o problema fosse rapidamente resolvido. Mas o que foi rápido foi a voz do meu pai a me rotular de "pé frio". É claro que era uma brincadeira, mas, nos meus dias de pequena, tudo para mim era grande demais. Foi preciso tempo e falta para me mostrar o tamanho que as coisas deveriam ter.

Ainda rio ao me lembrar do aeroporto de Ilhéus – mais abafado lá fora que lá dentro, mesmo sem ar-condicionado. Lembro também de uma tripulação a fazer os passageiros de bobos, ao nos mandar embarcar, dar voltinhas no solo com o avião e novamente nos mandar descer. Isso aconteceu por duas ou três vezes e na última delas alguém resolveu embarcar pela fila de desembarque – uma forma de tornar ainda mais divertida aquela cena patética em um aeroporto que parecia abandonado.

Constatada a impossibilidade do conserto, seguimos de ônibus para Salvador, não sem antes passar uma noite na parte menos charmosa de Ilhéus, indo dormir num hotel idem. Ainda assim, no nosso pensamento classe média, era divertido poder comer muito camarão pago pela Vasp.

Uma semana em Salvador, praia e alegria na casa do melhor amigo do meu pai e, surpresa: a volta seria pela Varig.

Ainda hoje nos vejo a sobrevoar o mar escuro, numa noite bonita de verão, enquanto um lauto jantar nos era servido – um bife alto e bonito, cujo gosto sou capaz de sentir até agora. Um vôo noturno triunfante e inesquecível. Aquela, sim, era a minha primeira vez voando.

Foi durante esse "jantar" que vivenciei a primeira turbulência em um avião: meu braço chacoalhava segurando o copo cheio de refrigerante. Eu vivia a cena ao mesmo tempo em que a assistia, incrédula. E a minha gargalhada era de uma felicidade inesquecível – ainda posso ouvir as risadas dos meus pais, felizes por mim.

Quase trinta anos se passaram e o que ficou foi essa cena – em slow motion. Em minha mania de transformar cada lembrança em um comercial de 30 segundos, aquela imagem é a idealização da minha felicidade ao lado dos meus pais. Se tivesse assinatura, seria da margarina Doriana.

O tempo se foi e, com ele, alguns aviões, passageiros, meus pais, minhas avós, seu pai. Até a Vasp se foi também. E parece que a Varig se foi agora, definitivamente, ao ser encampada pela simpática e básica Gol.

A malinha que a gente adorava levar pra casa ou ganhar de quem havia voado ficou no passado. E o máximo que podemos saborear no avião é um biscoito recheado com um vulgar patê de ervas. Servido, quando muito, com um belo chá de cadeira.

Já perdi as contas de quantas vezes voei. E hoje o que levo a mais na bagagem é uma grande torcida para tudo dar certo e voltar inteira para estar com você, filho. Viajo sempre com um coração pequeno e um olhar nostálgico para o mundo.

Aeroportos têm o poder de me fazer chorar. Assisto de longe ao significado do amor em cada abraço. Ali desaparecem as diferenças, o tédio e até aquelas coisas pequenas que no dia-a-dia crescem e passam a incomodar. O sorriso é fácil e aberto, o afeto é inteiro. Como expectadora, posso sentir o perfume do amor em cada cena. É nas despedidas que ele fala mais alto.

Viajando, me sinto mais e menos só: um mundo de gente que não me conhece me obriga a fazer companhia para mim mesma. E então se manifesta a essência da palavra solitude: a presença de si mesmo, muito diferente da falta do outro, a que chamamos solidão.

Viagens também podem ser uma chance de se abrir. Mas para isso é preciso coragem. Uma semana atrás, no aeroporto internacional do Rio, fiz amizade com um professor de história, que vive entre Brasil e Portugal, e com a simpática secretária municipal de assistência social aqui de Belo Horizonte. Embarquei num longo papo com cada um, viajando em nossas histórias de vida e de profissão – e então o atraso do vôo virou ganho.

Como aconteceu naquela viagem de avião para Salvador, em que a família era meu pai, minha mãe e eu, sair do conforto de casa nos faz experimentar uma nova dinâmica nas relações. Ali, por alguns dias, fui filha única.

Um ou dois anos depois, tivemos uma segunda oportunidade de ir apenas os três para Salvador. Dessa vez, fomos de carro. 24 horas na estrada, com direito a dormir num hotel bom no meio do caminho. O avião não me fez falta. Não houve vôo mais emocionante que estar todo esse tempo na estrada somente com meus pais. Como bons e velhos companheiros de viagem.

Antes que eu me esqueça.

Para entender melhor o seu pai:

- De fato ele era fisicamente muito parecido com o ator João Miguel - mas garanto que cozinhava melhor que ele no filme "Estômago";

- Ele às vezes se parecia com o Didi Mocó - e já admitiu isso pra mim;

- Quando ele envelhecesse, ficaria a cara do Bill Murray.

Bom, é mais ou menos isso.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Caixinha.

A vida tem surpresas maravilhosas. Hoje encontrei uma delas no site do escritor Thales Guaracy.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Aprendizado de hoje.

Algumas coisas não precisam ser ditas.