sábado, 18 de abril de 2009

Persistente.

O que ainda insiste em doer não é ter perdido o seu pai. É ele ter perdido você. Dessa dor eu constantemente me esqueço. Mas não tenho a ilusão de que ela passe.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Amor e ponto.

Houve um tempo em que as certezas fugiam dele – elas conseguiam, ao contrário de mim. Foi um tempo nebuloso em que às vezes chovia, às vezes fazia sol. Mas, independente do clima, a gente se encontrava. Atravessávamos noites e noites lado a lado, acordando mais juntos ou não. Eu me lembro de muitas em que ele adormecia antes de mim. Abraçada ao seu corpo, eu dizia para o silêncio: "Amor". Era solitário. Ficávamos eu e o que não cabia em mim, procurando um lugar que pudesse nos abrigar. Dias e noites se repetiram e o amor se manifestava, seguidas vezes, do coração para a boca, sem enfrentar grandes distâncias. Era um segredo meu comigo. Até um dia em que fechei os olhos antes dele. "Amor." – ouvi num susto. Finalmente ele havia parado de lutar. Não mais se debatia. Num sorriso, se entregava ao que era feliz. Eu chorava. Era alegria demais. Algum tempo depois, já era corriqueiro. Mais algum tempo, você. Que antes era só um outro desejo escondido – também nele. O verbo se fez carne, como ele mesmo disse um dia. (Ainda bem que deu tempo.) A palavra amor seguida de um ponto final é para poucas pessoas e poucos momentos. Para poucos porque é muito.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Aconteceu.

Tenho errado o caminho que me leva à saudade do seu pai, como quem procura em vão por um bar que já fechou e onde – é preciso encarar – a turma não mais se encontra.

Tenho agora mais tempo de você do que dele. Embora com a sensação de que eu saiba mais sobre ele do que sobre você. É que a cada dia você nasce mais um pouquinho. Enquanto nós, os adultos, desaprendemos a nascer e corremos o risco da monotonia. Tento que não seja assim. Ele conseguia.

Eu me lembro de pensar no tempo que ainda viria. Será que eu daria conta de tanto sem ele? Surpresa. Demorou pouco para que a vida voltasse sangue circulando, vermelho vivo, oxigênio sem memórias tolas.

Eu me lembro tão menos dele. Não posso dizer que esqueci seu rosto, pois ele acende todos os dias em você. Mas as lembranças se distanciam, doces, esmaecidas. Não pulsam mais.

Eu me lembro mais do amor do que dele mesmo. Um sentimento que emoldurei e, amarelado, fica ainda mais bonito. Eu me lembro de um tempo que me conta uma história e ela nem parece mais ser minha.

Mas hoje eu desejei muito me lembrar do seu pai. Desejei que ele pudesse me ensinar de novo. O quanto e o como ele sabia viver. Não importava o dia da semana, a hora do dia, o dinheiro na conta. Era sempre um prazer. Era rotina (e ele cultivava a rotina), mas não era repetir.

Um livro nas mãos. As mãos bonitas. Os olhos no livro. Um prato servido por aquelas mãos. Os dedos cuidadosos. O traço, a voluta, a volta, a cor, os tons. Pausa para um café. Conversa mansa e uma voz firme que também era veludo. Palavras perfeitas e inteiras digitadas num e-mail qualquer. Enquanto bebia café, beber café era o que ele fazia. Enquanto cozinhava, cozinhar.

Não era quase, era inteiro. Não era qualquer. Era presente. Não era abraço, era eterno. Não era de novo. Era sempre diferente.

Talvez aquele olfato apurado, talvez os olhos dos quais nada fugia, talvez a boca que sabia exatamente o que dizer. Ele não fazia duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo que fizesse.

Era sempre um prazer. Se delicadeza, plena. Se braveza, uma que dava medo — era assim se ele baixasse o tom de voz. Mas era sempre presente.

Ele não faltava. Estava sempre lá, vivendo cada segundo da sua vida. Até o momento em que não esteve mais.

E porque ele cuidou de ser intenso, inteiro, foi embora sem deixar o que não tivesse feito. E porque cuidei dessa dor com gosto, pouco me sobrou dela.

E porque ele me foi presente, ele agora nos falta inteiro. Para que nós, eu e você, possamos aprender a sorver por completo cada gota da nossa própria existência.