sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pressentimento.

A persiana quebrou, o chuveiro queimou, o gás acabou. O dinheiro faz tempo que já não há. E hoje a campanha foi reprovada pela terceira vez. Sinto que alguma coisa muito boa está para acontecer.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Eba!

Mais uma oportunidade de ganhar um exemplar do livro "para Francisco". A Annie, de Pernambuco, está fazendo esta gentileza no blog dela. Para concorrer é muito simples. Que fofo, Annie. Um beijo pra você.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Escuro.

Você vai aprender, filho. Que a intensidade pode roubar você de si mesmo. Que é preciso leveza para se pertencer. Você vai aprender a se distrair no meio do caminho – para ter o privilégio de errar. Vai aprender que as descobertas estão nos atalhos. E que é preciso alcançar o escuro denso para estar diante de todas as possibilidades. Você vai aprender a se deitar noite escura e amanhecer ensolarado. E vai entender que na perda mora o verdadeiro começo. Talvez você leve meia vida para isso. Talvez mais, como eu. Mas até lá, olha que sorte: eu vou estar segurando a sua mão.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Para economizar.

Aqui e aqui, você encontra o livro "para Francisco" por preços muito bacaninhas.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Porque é preciso voar.

Sobre o meu tio-avô que se foi outro dia, li hoje um texto escrito há muitos anos. E ele me fez chorar. Não só porque o Tio Hugo foi mais um que eu queria muito que você tivesse conhecido. Mas também pela sensibilidade do Humberto, que foi quem escreveu. É no meio de pessoas assim que eu quero que você viva, filho.


O espalhador de passarinhos

Rodando com a família pelas estradas de terra dos anos 1950, nas suas Minas Gerais, havia sempre aquele momento em que ele embicava o Chevrolet 39 para o acostamento, desligava o motor e pedia que todos se calassem. Aí metia o pescoço pela janela e ficava escutando o que, lá fora, a qualquer outra pessoa pareceria o mais compacto silêncio. A qualquer pessoa, não a ele, que de repente autorizava o reinício da algazarra no banco de trás ao informar, antes de pôr o carro em marcha, que naquela vereda lá embaixo havia um bicudo, ou um curiol, que é como ele diz curió. Não importa se o dicionário Aurélio desconhece essa pronúncia arredondada do nome da ave passeriforme, da família dos fringilídeos, catalogada como Oryzoborus angolensis: para Hugo é curiol, e pronto.

Bem mais que mestre Aurélio, que possivelmente nunca teve uma gaiola (a não ser que se queira chamar assim seus dicionários, gaiolas metafóricas onde aprisionar palavras), ele fala com a autoridade de passarinheiro, paixão pousada lá no fundo de seus 71 anos de vida. Paixão que já o arrebatava naquele Natal em que pediu um passarinho diferente, e encontrou sob a árvore, numa gaiola dourada, um bichinho colorido como nenhum outro. Como é que chama?, perguntou, extasiado. Camuflage, disseram-lhe. Por dois gloriosos meses, reinou sobre a meninada do bairro como possuidor daquela maravilha — até que em fevereiro, época da muda, seu Camuflage — que tinha sido pintado pelos irmãos mais velhos — perdeu as penas e se converteu, Cinderela ao contrário, numa reles fêmea de papa-capim. Papai Noel, para Hugo, morreu ali.

A alma passarinheira, felizmente, resistiu ao golpe, e em nome dela é que ainda hoje, vira e mexe, ele se enfia numa botinas de goma e se manda com suas gaiolas para algum lugar distante. Nos anos 1940 e 1950, o rumo era quase sempre um vazio no mapa de Minas a que chamava de Sertão (corruptela de desertão, ele ensina). Lugar sujeito a onças, preocupava-se dona Wanda, que na tentativa de dissuadir o marido não media argumentos:

— Não é nem por você — disse um dia, hilariante em sua irritação. — É por mim que eu peço: já pensou na minha vergonha, tendo que contar que meu marido morreu de onça?

Hugo ouvia aquilo, pendurava no ombro uma capanga de lona e seguia em frente. Ia geralmente com os cunhados Mário e João Antônio, com algum sobrinho, um filho. Mas o companheiro habitual era um amigo bem mais velho, o ferroviário Elpídio. Com ele se embrenhava no Sertão por três, quatro dias, durante os quais, entretido na pega de passarinhos, negligenciava coisas secundárias como almoçar e jantar.

— Quem viaja com esse seu marido pode comungar a qualquer hora — queixava-se Elpídio a dona Wanda. — Está sempre em jejum.

De uma coisa Hugo sempre se orgulhou: nunca vendeu passarinho. E se comprou foi só um, o bicudo Juvenal — assim chamado porque pertenceu a um investigador de polícia que tinha esse nome —, prodígio cuja reputação atravessou as fronteiras de Minas para além de seus 26 anos de vida. Vinha gente vê-lo e ouvi-lo. Certa vez um amigo de Hugo, homem riquíssimo, sacou o talão de cheques:

— Diz aí quanto você quer no Juvenal.

O dono do bicudo encerrou a conversa:

— E como é o canto desse cheque?

Em lugar de vender, soltou o veterano Juvenal em Cristalina, Goiás, em meados da década de 1970. Devolveu-o à natureza na esperança de ver perpetuado o inigualável canto de Araxá. Pois também os bicudos, como os seres humanos, arrastam sotaques — nenhum deles mais belo que o que se ouve nessa região do Triângulo Mineiro. Que se ouvia, aliás, pois já não existe o canto de Araxá, adulterado ao longo dos anos numa babel de trinados plebeus. O que sai hoje da garganta dos bicudos não é mais que um insípido esperanto canoro.

Hugo inquieta-se, também, com a rarefação das espécies, e por isso vem, há décadas, colhendo passarinhos onde sejam abundantes para semeá-los onde vão escasseando. Batalha para retardar a extinção — eis um esforço quixotesco de que não se fala nos jornais e muito menos rende votos. Quem passar hoje pelo Morro do Chapéu, por exemplo, nas vizinhanças de Belo Horizonte, como aquele Chevrolet 39 nas estradinhas dos anos 1950, e ouvir cantar um pintassilgo, não saberá que ele pode ter vindo da distante Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, nas asas de um perseverante espalhador de passarinhos.

(para Hugo, meu pai)


Escrito por Humberto Werneck, em outubro de 1990. Jornalista e escritor, Humberto tem vários livros publicados e lançou recentemente "O santo sujo"
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quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

No uol.

Uma resenha feita pela Martinha. Amiga virtual, mas já muito querida de verdade.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Águas.



Foi em março que conheci esta versão da famosa música do Jobim – você estava prestes a nascer. Ouvi-la, hoje, é sentir no rosto de novo a brisa delicada de uma calma triste. Uma calma que me falava sobre o que não podia ser mudado e sobre as revoluções que me aguardavam por trás do que não podia ser mudado. Da delicadeza de um novo momento, mesmo que soasse violento em sua muda chegada.

As águas de março eram o fim do caminho e, da viagem seguinte, você era o começo.

Novos amores se anunciavam como flores, a começar pelo seu. Novos ares. Alguns desejados, outros não, revelando que a vida é quem faz as escolhas, por mais que nos dê outra ilusão. Ela nos brinca e em suas mãos somos criança. Entre uma brincadeira e outra, vem a morte para nos ensinar tanto a urgência como a calma resignação.

E é no jogo bobo e repetido que vai se revelando: o que passa, o que vem para ficar, o que é só caminho, o que é lugar para morar.

O tempo avança e luto para conquistar finalmente a calma. Penso que a conheço, mas ela me foge invisível. Em minha pressa de fazer sozinha, como se eternamente eu não vá ter com quem contar, me vejo a cada dia mais veloz, elétrica, acelerada. O que ontem sequer existia me invade e amanhece urgente, imprescindível, essencial.

Em minha ânsia de viver, esqueço de respirar. E o que é pior: sufoco também.

Você é tão parecido comigo, filho. A paciência que lhe peço é a paciência que não tenho. Por tantas vezes a vida me parece gritar pedindo que eu espere. Que eu espere, porque já vem. Mas não consigo.

Escrever é meu respiro, é quando tomo o ar para novos vôos – por mais rápido que voe, o avião parece flutuar entre as nuvens, essa ilusão de tempo e de espaço que nos dá a dica: a vida é tal e qual.

A vida é provocação. Se um dia me grita que é curta, manda em seguida a mensagem de que é preciso saber esperar. Avança e recua, oferece e retira, para nos medir, não a força, mas a capacidade de brincar.

E como você ao repetir mil vezes um mecanismo novo que acaba de descobrir, o tempo oferece meditação. É assim o seu jogo, com enigmas que mais rápido nos devoram se os tentamos engolir.

Não importa o quão irritante isso tudo me pareça. Nada vai mudar o fato de que não se toca o tempo com a mão. Não posso empurrá-lo ou puxá-lo, ele não vai nem vem, não pode que lhe sejam.

Admito, tenho pressa. Mas é pressa de chegar em casa e finalmente descansar. Pressa de ter calma. Pressa e sempre inimiga. É que nessa correria feia, por mais vezes me perco no caminho, sem conseguir chegar.

Em minha tentativa de lhe apresentar a serenidade, descubro que você é que veio me ensinar. O tempo, em seu ritmo criança, nos faz todo dia o mesmo convite a viver delicadas repetições e, assim, sorver a essência sutil do que não é feito.

Espero que eu, sempre tão rápida, não aprenda tarde demais.