quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Para você.



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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Do amor.

Não tenho a fórmula, filho. Aprendi algumas coisas, muitas delas ao lado do seu pai. Aprendemos juntos também. Tivemos tempo para cuidar. Ficou um amor fresco, onde preservamos o melhor e nos preservamos do pior. Não seria assim tão fresco com o tempo passando, a vida, dia a dia. Mas a gente estaria atento para aprender mais. Às vezes sinto que essa interrupção, por outro lado, foi um sinal bonito. Para que o amor ficasse, ali ele deveria parar. O cara lá em cima deve ter resolvido fazer como a minha psicanalista, que sugere, no ponto alto da sessão: "Vamos ficar por aqui?". E foi assim. Mesmo tendo tanto ainda a dizer.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Para você, leitor.

Se você mora em São Paulo, capital, por favor responda à enquete que está aqui do lado esquerdo sobre o lançamento do livro. Peço a você muita sinceridade, pois as respostas vão nos ajudar a tomar uma decisão. Muito obrigada!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cada um no seu papel.

Ontem me senti muito culpada por não poder ficar com você por mais tempo de segunda a sexta. Minha vida já seria uma correria só pelo trabalho e ultimamente tanta coisa tem acontecido além dele. Que contradição: é muito por você que fico tanto tempo longe de você. Na verdade, filho, no fim de semana eu sou cem por cento mãe. Mas durante a semana, eu sou o pai. E chego do trabalho bem cansado.

sábado, 18 de outubro de 2008

Escrevi um livro para você, filho.

Eu me lembro que faltei ao trabalho por uma semana depois da morte do seu pai. Não fiquei em casa chorando, pois não havia tempo. Eu imaginava que, por causa do baque, você pudesse vir mais cedo que o previsto. Então o tempo de que eu precisava para me acostumar com aquela nova realidade foi usado para apressar os preparativos para sua vinda.

No dia seguinte ao enterro, acordei com o Tio Dani e fomos comprar um móvel e outras coisas que faltavam. Uma mulher grávida andando de mãos dadas com um homem, comprando coisas para a chegada do seu bebê seria uma futura mãe como todas as outras, não fosse a dor que eu carregava dentro de mim – e ela pesava muito mais que você.

De volta ao trabalho, era difícil acreditar. Meu corpo estava presente, mas a alma ficava vagando. Meu coração estava confuso. Foi preciso um bom tempo para que eu voltasse a sentir as coisas, para que eu de novo procurasse o meu lugar.

Eu observava as pessoas como uma extra-terrestre. Nada fazia sentido. Um colega nervoso por causa da lentidão de um computador me parecia uma cena absurda. "Será que ele tem idéia de que eu mal consigo respirar?", eu costumava pensar. Nada, ninguém, nenhum assunto ou urgência tinha significado diante da minha perda.

É normal que a gente se sinta assim, como se tivessse o maior problema do mundo. O maior problema é sempre o nosso, pois somos nós que temos que resolvê-lo. E o meu problema não era a morte, pois para ela não existe solução. Meu problema era conseguir disfarçar minha própria ausência.

Entrar em uma reunião, sorrir para o cliente e fazê-lo acreditar que eu estava mesmo interessada em seu aumento de vendas era exercício de atriz. E por uma questão de sobrevivência, eu precisava encenar aquela peça quantas vezes fosse necessário, até que viesse a licença-maternidade como uma redenção. Licença que me foi interrompida por um empresário que tem mais amor ao dinheiro que às pessoas. Mas esta é outra história.

Para dar conta de tudo isso, escrevi. Mas era com o seu pai que eu "falava", como se as folhas de papel fossem colocadas numa garrafa que um dia pudesse alcançá-lo do outro lado do oceano. Às vezes, era mesmo um pedido de socorro.

Ao mesmo tempo, a proximidade da sua vinda era a perspectiva de virar uma página e finalmente começar a leitura de uma história mais leve e alegre. Como acabar de assistir a um drama, buscar a pipoca e, enfim, ver os primeiros letreiros de uma comédia romântica. Agora viria a parte boa.

Você nasceu, alegria e tristeza sublimes em mim, fomos crescendo. Aos poucos eu ia aprendendo a ser mãe e acomodando a saudade até que ela doesse com costume, até que ela não me aterrorizasse mais. E a escrita foi abrandando.

Você tinha quatro meses quando lhe escrevi a primeira carta. Quando entendi que era para você que eu precisava falar. Você, sim, leria tudo algum dia. Minha mensagem chegaria ao seu destino. Transformando a dor em escrita, impedi que ela engolisse a minha alegria de ter você. Ao falar com você eu também estava falando com o seu pai. E ao falar do seu pai eu também estava falando de você. Eu precisava fazer minha mensagem chegar até você em algum ponto do futuro - e publicá-la ao longo do caminho era o combustível.

A escrita encontrou eco – para algumas pessoas foi espelho, para outras foi consolo, para muitas é lição. Para mim, o tempo todo, foi cura. Entender que a minha dor, aparentemente inédita, falava tanto para tantas pessoas. Entender que somos feitos do mesmo, todos nós, fora algumas desumanas exceções. Entender que estamos juntos.

E foi assim que passei a ter a disciplina para escrever. Estava firmado um compromisso. Talvez, filho, sem que as pessoas me lessem, eu não tivesse continuado a escrever o que acima de tudo era para você. E continua sendo para você. Foram essas pessoas que me estimularam a continuar, sistematicamente. Abrir as caixas e degustar cada lembrança, para que aquilo tudo não virasse pó.

Escrevi um livro e para mim ele tem um grande significado. Um livro abriga uma história e a eterniza. Um livro é memória e independe da presença de quem o escreveu. Um livro é um contador de histórias. Este livro fará o seu pai chegar até você como a garrafa com o bilhete, atravessando o tempo e o oceano. E fará a nossa história chegar a muitas pessoas, sem que entre nós precise haver uma proximidade de tempo, espaço ou conhecimento. Um livro é generoso. Como um filho, um livro é para o mundo.

É que eu amava o seu pai demais, filho. E eu te amo demais também.



Imagens: arquivo pessoal. Edição de José Carlos Mauricio e trilha sonora de Flávio Guerra, a quem agradeço de coração. Obrigada também a Michel Montandon, Elisa Mendes, Daniel de Jesus, Cristina Cortez e Marcos Pina.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mais cedo.



Desperto com um som que meu coração diz ser de pássaros. Pela janela, vejo os micos a pular de árvore em árvore. Você também desperta com o som e, da minha cama, assistimos às suas macaquices. Saio mais cedo para ir ao dentista e encontro um sol palha – um sol fresco e silencioso que me traz um gosto doce na alma. As manhãs são combustível, filho. E essa pressa vem tapando meus olhos. A pressa mata as manhãs. Antes de sair, por alguns minutos me permito observar você na porta de casa. Um jato de água da mangueira é magia entregue às suas mãos em preciosos espaços de vinte segundos. Felicidade é quase nada e o seu sorriso muda tudo. Esqueço a luta, paro de remar e bóio. Flutuo na água da vida a me lembrar da intensidade diversa do que já senti. De quando éramos um só. De quando éramos três. Penso na cura que a morte traz. Simplesmente continuar a vida, manhã a manhã, sem sofrer pelo que não tenho. Desejos outros. Saudade daquelas manhãs em que doía a paixão; desejo por novas manhãs assim. Hoje os pássaros cantam, sussurrando um novo dia ao meu ouvido. Ou os micos. Ou você. Meu passarinho. Quero um novo pai para você. Ou para mim? Quero e para isso nada faço. Nada espero para que assim, um dia, me venham surpresas boas. Penso no resto da minha vida e na minha chance aumentando de viver esse resto com alguém – esse que é a cada dia mais curto. Penso, coloco o talão rotativo no carro e deixo para depois. É hora do dentista.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

De sol a sol.

Era um dia de sol e eu decidi ir de amarelo. Como eu vinha fazendo nos últimos meses, fiz minha foto ainda de manhã, usando o tripé que ele havia colocado num ponto da sala, e que morou meses por lá. O fundo era a parede com a fotos dos meus pais. A cara era de sono, sim, mas isso não tinha importância. A barriga é que contava. Você crescendo era milagre que precisava ser registrado e disso cuidamos com entusiasmo. Algumas vezes ele estava por perto, outras não. Algumas vezes eu estava indo pra hidroginástica e tirava a foto de biquíni. Noutras, eu só me lembrava da foto no fim do dia, antes de dormir. Por várias vezes a câmera, com que eu ainda não tinha tanta intimidade, tirava muitas fotos seguidas, registrando movimentos, suspiros, caras e bocas. Foi assim quando resolvemos experimentar as roupas de banho que compramos antes das férias na praia. Ficou o registro daquele humor, daquela alegria. E assim se seguiram fotos quase diárias. Naquele dia, não falhei. Outras coisas é que me faltaram. Não foi um dia como todos os outros. Ainda assim, acordei no dia seguinte e me fotografei novamente. Eu tinha motivos para olhar para frente, filho. Você continuava crescendo em mim. Há muito eu queria montar esse vídeo que era um desejo nosso, meu e do seu pai. A música não poderia ser outra: a que ele me mandou por e-mail, um dia, por uma brincalhona sugestão do Marcelo Henrique – e cuja letra, depois do desfecho, passa até a fazer sentido. Hoje, o vídeo nasceu pelas mãos do meu amigo Zé. Obrigada, Zé, por mais esse carinho.



Trilha: "Você é linda" - Roberto Carlos

sábado, 11 de outubro de 2008

Suspeita.

Desconfio que envelheci. E talvez envelhecer seja saber escolher. Algumas coisas, não topo mais. Como sair de uma festa escura e esfumaçada me sentindo estranha por não ter ficado até alta madrugada. Não preciso provar mais nada pra ninguém. Nem pra mim mesma. Saudade, filho. De gostar de ficar quieta. Saudade da temperatura do amor. De paz, calmaria e preguiça. E uma vontade de acreditar que existe alguém assim, como eu, em busca de alguém assim, como eu. Talvez pensando agora sobre a mesma falta. Então vou fazer um desejo bom pra esse alguém e vou dormir o sono dos justos. Para amanhã acordar feliz, embora exausta, diante do seu sorriso inquieto e guloso.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Do começo.

Eu me lembro de ter pensado nisso naquele dia. Que ele nem tinha chegado aos 40. Para mim ele era tão homem, no sentido mais amplo da palavra, que é como se tivesse mais que isso. Houve um tempo em que ele adotou uma brincadeira para parecer mais novo. Se alguém perguntava a sua idade, ele dizia “Quarenta e três”, para que a pessoa dissesse que ele não aparentava tanto – e assim ele ria de si mesmo, se sentindo mais jovem.

Naquele dia, demorei algum tempo para me lembrar que ele tinha apenas 38 anos. Achei absurdo. Como se tudo em volta já não fosse.

Quase dois anos se passaram – e cabe muita coisa em dois anos. Mas ele não passa. E por ter deixado você, está a cada dia maior. Já me acostumei a ver seu pai crescendo outro na minha frente, a reconhecê-lo em seus trejeitos, como também a freqüentar a casa em que ele se criou, a conviver entre os seus. E no meio de todos esses sentimentos que aprendi, houve caminho para aprender novas pessoas, sorrir outros sorrisos e agradecer por tudo o que tive e tenho.

Há meses já não lamento sua ausência e nem vivo sentindo pontadas de saudade. Mas hoje ele faria 40 anos e disso não posso me esquecer.

Não devolvo meus últimos 20 meses de vida, não os quero outra vez ou de outra forma. Mas eu vivi esses últimos 20 meses cheios de você. Ele não. E isso vai doer sempre, filho.