terça-feira, 13 de novembro de 2007

Passos.

Na primeira vez que ele tirou os sapatos, senti que ele tinha vergonha dos pés. Dias depois ele me contou que nascera com os pezinhos tortos, virados para trás. A mãe dele tinha sonhado, na véspera do parto, que o bebê nascia sem os pés. É fato que eles moravam no Piauí, e os pezinhos tortos acabaram por determinar uma parte do destino da família. Era com os olhos cheios d´água, a voz trêmula e também com uma pitada de humor que ele me contava da luta dos pais para enfrentar o problema, da massagem com óleo quente que doía mais no pai do que no filho, da ida para São Paulo para a primeira cirurgia, aos quatro meses, da infância de gesso, dos primeiros passos a despeito disso, dos natais no hospital longe da família, de uma luta incessante até a última cirurgia, aos quatro anos. Hoje, é o pai dele, seu avô, quem me conta que durante todo esse tempo o sorriso não lhe saía do rosto - e vejo então o que é um pai apaixonado. Por um menino que nasceu e morreu de bem com a vida. Fico a pensar aonde aqueles pezinhos o levaram: o quanto a sua alma talvez seja ainda mais linda por isso. Eu amo a história do seu pai, filho. Tenho orgulho dela. E de vez em quando beijava aqueles pés, que eram só o início de um universo de intensidade, hedonismo, amor. Eram os pés feios mais lindos do mundo. É uma pena ele não ter visto você nascer com esses seus pezinhos perfeitos. Que agora assumiram o posto de mais lindos do mundo.

7 comentários:

marcela disse...

talvez os pézinhos virados para trás fossem para equilibrar uma cabeça que pensava muito a frente. vai saber.

não conheci o gui, mas a cada post e a cada caso que escuto, sinto que o adoraria. assim como todo mundo.

Pequena disse...

as pessoas não gostavam do gui: elas sempre amavam o gui. que bom que aqui eu consigo expressar isso a ponto de ainda haver gente se apaixonando por ele. sinal de que ele está vivo.

às vezes leio esse blog e ainda me surpreendo com o tamanho desse amor que eu sentia. e que ainda sinto.

redatozim disse...

Eu não pronunciei mais que 3 palavras no velório do Gui, quase não chorei também, mas quando a mãe dele lembrou essa história, foi quando não consegui me conter.

Ana Paula Prado disse...

Eu não sabia desse fato. Curioso. Mas lembro-me que o andar do Gui me chamava muito a atenção. Isso porque ele andava com os pés pra dentro, igual a um irmão que tenho por parte de pai. Por causa desse andar, meu irmão ganhou o apelido de "Periquito"

Anônimo disse...

Cris,
Minha intenção era ler este blog de "cabo a rabo" e só depois falar com vc. Mas é impossível. Comecei ontem e agradeço por hoje ter todo o tempo do mundo para, com certeza, terminar de lê-lo. Quisera eu, ter esse dom de expressar em palavras tudo o que vai n'alma e no coração.

Anônimo disse...

me lembraram do pé de Phil, em Servidão Humana, de Somerset Maugham... na literatura nenhum amou tanto, se deu tanto e sofreu tanto como Phil. --Lisa

LULA disse...

ESTOU LENDO O BLOG AOS POUCOS PORQUE CADA MINUTO QUE SENTO EM FRENTE AO MEU COMPUTADOR SÃO MINUTOS DE MUITAS LÁGRIMAS, AS VEZES DE ALEGRIA AS VEZES DE TRISTEZA. DO FUNDO DO CORAÇÃO DESEJO QUE O FRANCISCO SEJA UMA PESSOA MUITO FELIZ!