Mesmo um simples sanduíche. Mesmo uma sopa knorr. O nhoque de batata amassada no garfo. O molho de tomate desde o descascar. Mesmo, e com toda a arte, o seu bom gosto em cada centímetro.
Eu me lembro de observar o movimento de suas mãos a cada vez que ele preparava alguma coisa na cozinha. E elas cantavam. Dançavam carinho. A cada ingrediente, um beijo: na maçã do rosto, na testa, na ponta do nariz. Na colherada de arroz, essas mãos nos serviam declaração de amor.
Sim, porque esse não era um privilégio meu. Suas mãos assim faziam para cada um de quem ele gostava. Cozinhando para quinze, vinte pessoas, passava o tempo na cozinha, ora conversando com um, ora com outro, ora sozinho com o amor que lhe temperava os pratos. E aquele era seu deleite e sua alegria. Amar com as mãos: servir os pratos um a um, colocando em cada um deles o seu gosto pela vida.
Suas mãos também desenhavam. Selecionavam músicas e me puxavam para dançar. Escolhiam flores para surpreendentes buquês. Ao escrever, entregavam o charme suave do escritor. Mãos que ora remavam, ora acendiam o cigarro. Mãos que me enxugavam lágrimas. Mãos que contavam piadas. Mãos que me abraçavam forte na hora de dormir, e que não adormeciam enquanto não cobrissem minha orelha. Que discavam meu número e davam à voz o seu lugar. Compunham mensagens com uma doçura antiga, num mundo moderno e celular – posicionando cada ponto e cada vírgula, sem perder um dedo de autenticidade. Mãos espontâneas e bailarinas. Mãos que passeavam pelo ar, cheias de vida e de amor.
Mãos que me seguravam o rosto no beijar. Eu era dele a cada beijo. Éramos um do outro num amor que nada tem a ver com posse.
Mãos que um dia se encontraram para seguir outro caminho. E que pareceram largar as minhas. Que não puderam tomar as suas. Mãos que teciam danças. Ainda ouço as músicas – e me guio por elas.
Agora me dê as mãos, filho. E saiba que as suas lembram muito as do seu pai.