quinta-feira, 29 de maio de 2008

Para que flores não faltem.



De: guifraga
Data: 14 de setembro de 2006 14h34min30s GMT-03:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: Re: Achei.

Que goshtoso, amorzinho.
Além de santo, também é nome de rio.
Você é linda, amor.
um beijo, G


On 14/09/2006, at 13:58, Cristiana Guerra wrote:

<07 O Rio.mp3>

terça-feira, 27 de maio de 2008

Antes de tudo, depois de tudo.



Outra da nossa trilha sonora, filho. Essa era especial, pois nos acompanhou desde o começo. Estava também na seleção musical que seu pai fez pra mim, dias antes de partir.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A luz da falta.

Era uma manhã de segunda-feira. No som, a trilha do filme Cinema Paradiso.

Eu estava em casa, ao lado dela. E também meu pai, meus irmãos, minha avó – a mãe dela, que aos 23 anos tinha perdido o meu avô, assim como perdi seu pai. Havia muito mais gente naquele quarto. Minhas tias, meus primos, os melhores amigos dela. Eram muitos. A casa parecia um acampamento.

Foi meu pai quem sugeriu que eu colocasse a música. A doçura do seu avô, que só fui descobrir mais tarde. Generoso em tentar fazer com que aquele momento fosse suave para ela.

Foi triste. Mas também foi grande. Um privilégio. Estar ao lado dela no exato instante em que ela deixou de estar.

Esperávamos por isso há mais de 48 horas. Ela parecia estar indo aos poucos. Mostrou ser dura na queda.

Eu me lembro de um ato desesperado do meu pai, tirando dela o tubo de oxigênio que mostrava não ter mais serventia. Talvez ela finalmente respirasse quando seu coração pudesse descansar.

"Fico te devendo Paris", ele disse chorando.

Mentira. Se para ela Paris fosse importante, teria conseguido. Colocando os desejos dele em primeiro lugar, minha mãe dominava docemente o meu pai. Eram cúmplices: ela com sua obediência esperta, ele um menino enfiado num paletó de “homem da casa”. Ele era o médico solicitado a todo instante. Ela era seu copo d’água.

Como toda boa esposa e dona-de-casa, sua avó cozinhava bem. A diferença é que fazia a outra parte também. Fazia o supermercado. Fazia o imposto de renda. Levava o carro à oficina, consertava a porta, trocava o chuveiro. Minha mãe era uma mulher com uma caixa de ferramentas. Não por acaso, tenho a minha também.

Ela tinha o mapa de Belo Horizonte na cabeça. Você perguntava como chegar em tal rua e ela não respondia sem antes saber em que número. Explicava o caminho com detalhes: cada ponto de referência, cada detalhe e até quem provavelmente você encontraria pelo caminho, até chegar do lado exato da rua, em frente ao número. Eu perdia a paciência. Era muito difícil memorizar tudo isso.

Mas eu era apaixonada por ela.

Quando pequena, eu tinha ouvido a minha avó dizer: “Sapato virado, a mãe morre”. Rapidamente adquiri uma obsessão por manter em ordem, não só os sapatos, mas o quarto inteiro. Se era esta a intenção desse ditado absurdo, comigo deu certo. Meu armário era motivo de orgulho para Mamãe – ela gostava de mostrá-lo para as visitas, roupas separadas por cores, cabides iguais.

Ela era forte. Ela era doce. Ela era persistente. Juntou tudo e teceu a colcha da minha cama, centenas de roupas de tricô, os casaquinhos que muitos bebês usaram sem nunca a terem conhecido. Alguns deles agasalharam você, Francisco.

Dulce que não tinha esse nome por acaso. Dulce que era um sorriso. Dulce que também era Maria. A mim ensinou que a gente tinha duas mães: uma na Terra e outra no céu. Hoje estão as duas lá em cima.

Para mim foi mais fácil conviver com a morte dela do que com os dois anos de sofrimento que a doença nos trouxe. Embora parecesse impossível me acostumar com a idéia da sua não existência, desejei que ela fosse. Vi minha mãe murchar como uma flor. Troquei a cor da angústia pelo silêncio da saudade. Dor mais doce e mais altruísta.

Meus irmãos já não moravam em casa. Ficamos só eu, Papai e o enorme medo que eu sentia dele. Com a ida de quem fazia a ponte entre nós, finalmente nos conhecemos. Ganhei um pai de presente.

Por um tempo, ele cultivava a presença de objetos dela. Um chinelinho, a cestinha de tricô, os óculos. Era a primeira vez que ele encarava a sua falta. Antes, só fazia lutar com os fantasmas da sua cabeça – a esperança com muito poucas chances de sobreviver diante das convicções da medicina.

Minha dor, deixei em segundo plano. Respeitei a escolha dele. Violentei minha vontade e suportei a convivência com aqueles pedaços dela que, aos poucos, foram desaparecendo. Não olhei para trás. Não parei para pensar na falta. Apenas agradecia porque aquele sofrimento tinha acabado. Ainda levei um tempo para me lembrar dela bem, saudável.

Para não ver Papai sofrer, também não pensei no que senti ao vê-lo casado com outra pessoa – o mesmo quarto, a mesma casa, até o carro dela passou a ser dirigido pela madrasta. O importante era que ele não estivesse mais tão só.

Eu não desejava sequer mais um dia como aquele em que ele voltou para casa dizendo: “Fui ao banco encerrar a conta da sua mãe. Não tem outro jeito, né?” Naquele momento, trocamos de papéis: era ele o filho procurando o meu colo. Com o olhar, ele me pedia permissão para tentar ser feliz. Prontamente atendi.

Comprou um Citroën vermelho com teto solar. E em muito pouco tempo estava casado.

A verdade é que a minha cabeça arranjou um esquecimento para poder seguir em frente.

Fiquei quase 13 anos sem mais me lembrar o que é ter mãe. É você que está me ensinando, filho. Naquele 21 de março, ela começou a nascer de novo dentro de mim.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Abraça-me.

Maio de 2005. Eu estava acertando com outra agência e estava prestes a sair daquela em que trabalhava com seu pai. Ele me mandou o seguinte email, com a seguinte música:

on 16.05.05 18:07, guifraga at guifraga@lapisraro.com.br wrote:

pra quem fica dá um aperto no vazio.



Algo deu errado. Acabei não saindo. Fiquei, mas algo deu certo: finalmente começamos a namorar. Seu pai era impossível. Por ele eu iria, por ele eu voltaria.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Guardados.

De: guifraga
Data: 13 de setembro de 2006 9h57min25s GMT-03:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: bom dia, amor

ei, linda.
te liguei mais cedo, na sua casa, e você tinha ido pro Reiki.
Liguei pros meus pais e, simplesmente, ficaram radiantes em saber que está tudo bem, e que eles vão ter um netinho chamado Francisco. Mandaram muitos beijos em você, amorzinho.

tenha um delicioso dia, linda.
olha como está maravilhoso lá fora

um beijo bom, Gui

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Primeiros passos.


Dias como o de hoje são feitos para guardar.

Na hora do almoço, você deu três passos em direção aos meus braços abertos. Ainda não são longas as distâncias. Cinco metros é um sonho olímpico. Mas sinto que a emoção vai ser a cada dia maior.

É natural: olhar pra você é abrir os braços e receber a sua vinda para o mundo.

Quem diria, filho. Que um dia eu seria esse "tudo" para alguém. Ganho anos de vida ao me perceber tão importante. Faz tudo fazer sentido. Mesmo que o mundo em volta pareça não ter. A insegurança dá lugar ao desafio e eu me sinto mais forte.

Não sei por que, esse episódio me lembrou o ano de 1989, quando tirei carteira de motorista. Foram dezenas de aulas na auto-escola, onde eu dirigia um Gol GTS, carro cobiçado na época. Mas meu sonho era dirigir o velho Opala 77 da Mamãe. E foi somente com a carteira de habilitação nas mãos que ela permitiu que eu o fizesse. Não sem a sua companhia. Eu pensava que a habilitação era o passo definitivo para a independência, mas não: começava ali a segunda parte do curso. Por um tempo, fui sua motorista. Comprar pão, ir ao banco, levar a todo e qualquer lugar. Ela dava conselhos, fazia suas observações. O que, claro, me dava certa segurança. Eu havia trocado o instrutor pela mãe. Era eu dando os meus primeiros passos no trânsito, com os braços dela bem abertos para me amparar.

Mas um dia sua avó e seu avô viajaram. E eu "roubei" o carro para ir a uma festa. Eu, que sempre fui tão certinha, tive que desobedecer. Para acreditar que eu era mesmo capaz. Que ela não me ouça: hoje dirijo melhor que sua avó, à época dela.

Sinto que vai ser assim com você. A qualquer momento você vai percorrer sozinho os seus primeiros dez metros seguidos. E vai ser na hora que decidir. Depois virão outros passos e você vai longe, vai além.

Sabe de uma coisa, filho? Não senti a tristeza que eu esperava sentir nesse momento, por não ter seu pai ao nosso lado. Dia a dia, você me esina a olhar para a frente. Já faz tempo que venho treinando. Hoje acho que andei. E os primeiros passos já se mostram: sua avó ficou mais viva dentro de mim.

Estes foram só os primeiros primeiros passos. Ainda virão muitos: os seus e os meus.

A vida é uma ilha desconhecida.

“Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar”, diz o Saramago no livro “O conto da ilha desconhecida”. Em março de 2005, dois anos antes de você nascer, dei esse livro para o seu pai. Na dedicatória, escrevi assim: “Aonde quer que você vá, por ilhas visitadas ou desconhecidas, em busca de seja lá o que for, leve com você o meu gostar.” Espero que ele tenha feito o que pedi.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Para aplaudir.

Não é só porque tem minha querida amiga Cynthia Falabella no elenco, mostrando mais uma vez a grande atriz que é. Não é só porque tem também meus amigos Thales Bahia e Lucas Gontijo, além de outros diretores talentosos. Não é só porque o elenco é da Ana Régis, a direção musical é do Ronaldo Gino. (Gente, eu tenho muitos amigos talentosos!) E corro o risco de esquecer muita gente. Também não é só porque este filme é resultado de anos e anos de trabalho suado. Acabo de voltar da pré-estréia de "Cinco frações de uma quase história" com o maior orgulho de ser mineira. O filme tem qualidade de roteiros, elenco, direções, fotografia, montagem, trilha. Merece você na platéia. É cinema que dá gosto de falar que é nosso. Além do mais, prestigiar o cinema brasileiro cai bem em qualquer estação. Vi e recomendo. E uso meus blogs pra divulgar sem ninguém ter que me pedir isso. Faço com prazer mesmo. Vai lá e depois me conta.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Inteiro.

“Palavra puxa palavra, o verbo se fez carne de verdade. Nada, nada mesmo, poderia ser mais delicioso e espantosamente lindo quanto a surpresa que me aguardava, insuspeita e quieta. Ando meio estupefato. Não me perturba o que não sei nem o que nem imagino. Sou inteiro no mundo por ele(a), e isso me aquece os desejos, me aguça a inteligência, me faz alerta e sorrio.”

(Escrito pelo seu pai, para uma amiga, pouco tempo depois que ele soube da sua vinda. Pra você ver como fez seu pai feliz, filho.)

sábado, 10 de maio de 2008

O mapa.

Ela nunca fazia a lição de casa comigo. E era boa essa tática: a gente estudava direitinho e não dependia de ninguém. Mas teve um dia, um único dia, e eu já devia ter lá meus 14 anos, em que eu tinha que fazer um mapa-mundi. À mão. Para mim, não tinha coisa pior. Então ela rompeu com suas próprias regras e desenhou cada contorno, escreveu cada nome de país, com a sua própria letra - e era linda a sua letra. Ela simplesmente fez o mapa pra mim. Eu nem precisei assistir, recebi o trabalho pronto. Puro amor. Impresso a lápis no papel vegetal.

Às vezes me pergunto por que falo tão pouco dela. Faz muito tempo que perdi minha mãe, filho. Quase catorze anos. Minha cabeça arranjou um esquecimento para que eu pudesse seguir em frente. E eu esqueci o que é ter mãe. Agora quero encontrar um mapa que me leve a ela, dentro de mim. Desde que me tornei mãe, essa saudade tem me feito falta.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nem ele, nem eu.



Não sou eu, não é seu pai. É seu pai e sou eu.
Somos nós. Não somos nós.
É você.
Que não é nenhum de nós.
Que é mistura e é tão puro.
Em você sou ele.
E ele me é.



Tão logo se fez a falta do seu pai, minha angústia eram muitas. Eu falava, falava, falava. Tentava com desespero traduzir o que sentia, como se pela boca esse aperto pudesse ir embora. Mas não. O aperto não vai embora. Talvez aperte menos quando sentimos que conseguimos traduzir. Dividir. Quando sentimos que o outro consegue sentir.

Faz pouco tempo que entendi: um dos motivos da minha angústia era não poder explicar de onde você veio. Eu, que gosto de fotos antigas. Que conto e reconto histórias da família. Eu, que tenho irmãos. Que conheci meu pai, minha mãe, duas avós, um avô, uma bisavó que viveu até os 103.

Você não conheceu seu pai. E sem conhecer, já conta histórias dele pra mim.

Você não conheceu seus avós maternos, os meus pais. E provavelmente não terá irmãos. Mas você não veio só de mim, filho. Veio de um universo tão grande e tão bonito.

Quando vejo você tocando a gaitinha que sua avó deu, eu me lembro: nunca vi seu pai tocar piano, sax, gaita. E sei que ele tocava. Eu também perdi uma parte da história, filho. Foi tão rápido e tão intenso. E você é tão real.

Olho pra você e me vejo. Vejo seu pai. Não sei onde começa um e termina o outro. Suas feições, seu jeito, suas escolhas. Sua doçura. Sua braveza. Olho mais uma vez e vejo alguém novo. Fresco, inteiro. Único. Surpreendente. Francisco.

Queria tanto você no colo dele, filho. Fazer com ele um sanduichinho de você. Apertar, beijar, morder. E por tanto querer, quero explicar o que é isso que eu sinto. E só quero explicar porque falta.

Mas não falta. É você. Não sou eu, nem ele. É você.

Talvez, despido da sua própria história, seja mais fácil seguir. Construir caminhos novos. Encontrar atalhos. Ou errar o caminho, que é a melhor parte. Errei tantos caminhos, filho. Mas venho gostando da viagem.

Tenho certeza. Você ainda vai me contar muitas histórias lindas. E todas vão ser histórias suas.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

De boca cheia.

Ele dizia "Eu amo você". Não era te amo, te gosto, te adoro. Era com todas as letras: eu amo você. Abrindo e fechando a boca numa volta completa e macia. Amor farto. De boca cheia e com gosto. Amor gordo, como ele mesmo dizia. Ele, que tinha um jeito de se fazer presente. Mesmo estando longe. Mesmo atolado no trabalho. Ou quando resolvia dormir sozinho e ficar pensando na vida. Não faltava a mensagem no celular, o email, o telefonema - um ou dois minutos “só pra dar um beijo”. Até quando eu comemorava uma conquista na agência onde passei a trabalhar, agora sem ele: não demorava muito tempo e chegavam flores, champanhe. Ele tinha uma classe, filho.

Já faz tempo que me acostumei com seu silêncio. Mas de vez em quando bate um esquecimento ou vejo uma cena que me inspira a mandar uma mensagem. De vez em quando parece que o telefone vai tocar. Um ou dois segundos depois eu me lembro. Silêncio dentro de mim.

Acho que é uma fase nova da saudade, em que o ciclo se completa e a dor da falta não é mais um escândalo. Você se distrai, outras coisas acontecem, outros amores cantam. Alegria de novo, enfim. E só de vez em quando grita a mudez da falta dentro da gente.

Mas sempre, sempre olho para o lado. E vejo você. Falando sem parar. Querendo traduzir o mundo em um minuto. Dedinho indicador de plantão apontando para todos os lados, todas as luzes, formas, cores. "Aaaammmo", de vez em quando você diz. De boca cheia também. Os bracinhos abertos pra vida.

A vida, filho. Alguém decidiu que a minha seria grande. Intensa. E me arrisco a dizer que longa também. Que maravilha. Então me dê sua mão, vamos sair pra ver o sol.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Aos olhos dele.




25 de novembro de 2006. Eu e seu pai hospedados na casa do Tio Cadito, na nossa última viagem a Tiradentes. E ficou impresso o olhar dele sobre nós, filho. Dizem que o amor embeleza o objeto amado. E não só aos olhos dele. Eu também me sentia bem bonita sob o olhar amoroso do seu pai.