domingo, 30 de setembro de 2007

De tirar o fôlego.

É o presente que ganhei da Tia Cecil.
Um email que seu pai mandou pra ela um mês depois de saber que estávamos grávidos.

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From: guifraga
Date: Mon, 14 Aug 2006 10:25:15 -0300
To: Cecilia Torquato
Subject: ei Ceci

Ei, Ceci, quanto tempo, bonita.
Tenho pensado muito em vocês. A saudade é gorda e, paradoxalmente
inversa aos e-mails e contatos que não fiz.
Fiz foi andar um pouco em círculos, descobrir atalhos, perder o rumo e
achá-lo mais a frente, passar o dia, subir em árvore sem frutas, olhar
pra esse céu maravilhoso e sentir a alegria dentro da barriga.
Palavra puxa palavra, o verbo se fez carne de verdade. Ai, que delícia,
linda. Nada, nada mesmo, poderia ser mais delicioso e espantosamente
lindo quanto a surpresa que me aguardava, insuspeita e quieta.
Ando meio estupefato. Não me perturba o que não sei nem o que nem
imagino. Sou inteiro no mundo por ele (a), e isso me aquece os
desejos, me aguça a inteligência, me faz alerta e sorrio.

um beijo muito gostoso, prenhe de saudades,

Gui

dê beijos, muitos beijos no Matteo e alguns no Gutinho (rs)

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Quem.

De: guifraga
Data: 18 de setembro de 2006 17h21min53s GMT-03:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: Paulo Mendes Campos - um trecho

amorzinho.
"Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e
estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem
amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura
sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no
caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas;
quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso
sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se
deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os
lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita
pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos
presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou
aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda
verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto;
quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de
presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de
beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar
com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos;
quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem sabe
construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos
troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da
madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol
uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva
a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde
já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro;
quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga
adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e
andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da
armadilha terrestre."
(Paulo Mendes Campos, O anjo bêbado, Sabiá, Rio de Janeiro, 1969, p. 105)

Para seu pai, mais uma vez.

Indo para o trabalho, ouvi "A paz", do Gilberto Gil.
Pensei em mim, pensei em ti, chorei por nós.

Seu pai, em poucas palavras.

From: guifraga
Date: Tue, 14 Feb 2006 10:20:05 -0200
To: Cristiana Guerra
Subject: dia lindo

amor, o dia tá lindo lá fora.
quando der, dê uma olhadinha pela janela, eu vou estar olhando também,
aí nos encontramos na beleza de tudo que a gente vê.

um beijo bom, amor. G

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Todo dia.

Hoje eu acordei, vi você feliz no seu berço, brincando de abrir e fechar a boca. Como sempre, ao me ver você sorriu. Peguei você no colo, nos olhamos os dois no espelho e continuamos brincando. Eu abria e fechava a boca, você imitava. Você está a cada dia mais bonito e tem sido difícil sair para o trabalho. Sempre dá vontade de ficar mais um pouquinho. No caminho da agência, que não dura mais que seis minutos, como sempre me peguei com vontade de chorar. Ainda não chorei a falta do seu pai do jeito que ela merecia. Ou talvez a vontade de chorar nunca vá cessar. Como o dia amanhece sempre novo, todo dia amanhece uma nova vontade de chorar. Por que não? Chorar faz um bem danado. Quem me conhece me vê rindo todo dia. Sou alegre, até palhaça. Eu e seu pai fazíamos palhaçadas 23 horas por dia. Mais do que isso, sou feliz. Mas sou triste também, sou as duas coisas. Quero deixar de sentir tristeza, mas será que devo exigir mais isso de mim? Essa coisa de ser pai e mãe e patroa e dona-de-casa e publicitária e mulher e criativa e pessoa-cheia-de-fé-na-vida me deixa a mil por hora o tempo todo. O corpo padece. Perco o tempo que eu teria com você fazendo coisas práticas. Nas horas vagas, durmo. Nas horas vagas, abasteço a casa. Nas horas vagas, encontro os amigos. Nas horas vagas, não leio porque sempre me sinto cansada. Não tenho hora vaga pra chorar. Ao chegar na garagem da agência, um cachorro estava parado no meio da rua. Da avenida. Avenida Contorno. Temi por ele, gritei pra ele sair, mas além de sarnento ele estava fraquinho. Veio um carro e ele foi para o outro lado da avenida. Entreguei pra Deus, fechei os olhos e os ouvidos, entrei na garagem. Eu teria ligado para o seu pai. Ao menos teria desabafado com ele. Ou teria escrito um email pra falar sobre isso. Escrever emails para seu pai e receber os dele era das coisas mais gostosas da vida. Ele gostava de escrever. Escrevia pouco, mas lindamente. Me fazia sorrir mesmo nos dias de maior depressão. Tudo isso hoje está doendo muito, filho. Mas você é a parte boa. Você é meu pequeno, que faz a maior alegria do mundo. Me perdoe se coloco em você um excesso de sentimentos, de expectativas. Você é só um bebê e talvez esse blog exista pra isso mesmo, pra eu colocar tudo aqui e não em você. Mas um dia, eu confesso, quero poder chorar a falta dele no seu colo.

Para quem me lê.

A todas as pessoas novas que chegam aqui e me lêem, minhas boas-vindas, minha alegria, meu agradecimento por tantas palavras lindas, desejos bons. Desejo de volta, desejo em dobro. Acredito mais na vida e nas pessoas quando abro meu blog todo dia. E é maravilhoso perceber que ao escrever eu não apenas me curo, mas também levo alguma coisa nova para alguém. É esse nosso poder transformador: fazer da dor emoção boa, fazer da falta encontro. Tem uma frase que diz que sabedoria é aprender com a experiência dos outros. Então vamos lá, vamos trocar.

Um grande beijo meu e do Cisco.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O nome da dor.

Eu tive pai e mãe. E os perdi cedo, conheço essa dor. Para mim, a perda do seu pai dói muito diferente. Ele não era de onde eu vim. Era para onde eu ia.

A falta que faz falta.

As pessoas me dizem que você nunca vai sofrer a falta do seu pai, pois não chegou a conhecê-lo. Acho isso muito triste. Minha mãe não conheceu o pai, a história dela é como a sua. Mesmo assim ela contava um caso dele, um único caso, e sentia amor pelo que esse pequeno episódio dizia sobre ele. Eu herdei essa historinha do meu avô e narro para outras pessoas, como se o tivesse conhecido. Gosto da imagem doce e bem humorada que tenho dele. Também olho as fotos dos meus pais e acho uma delícia a saudade que sinto deles. Faltas também fazem parte, filho. Faltas são a prova da presença. Se depender de mim, vou fazer você sentir o seu pai para também se emocionar e gostar e contar as histórias dele. Ele é sua família. E apesar de não estar mais aqui, foi maravilhoso ele ter passado pela minha vida. E você é a maior prova da presença dele.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Heranças.

Data: 17 de novembro de 2006 16h54min0s GMT-02:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: minha raquete nova

Hoje ganhei uma raquete nova.
Minha raquete nova é bonita, é bonita.
Quem me deu minha raquete nova foi o meu amor.

meu amor de raquete que meu amor me deu de gostosa que ela é

um beijo

outro beijo
um beijo
outro beijo
outro beijo
um beijo
beijo outro


amorzinho, eu te amo, viu?

Hoje é aniversário do Café com Letras. Vai ter festa a partir das 18:00 com a Gabi tocando. Vamos dar uma passadinha por lá? só pra dar uma saidinha.

bjbjbjbjbj


quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Você vai gostar de ler, filho.

As sem razões do amor
Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga, nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Eu, você e Freud.

Você já tem quase seis meses e eu ainda não consigo acreditar que era você dentro de mim nesses nove meses de gravidez. Hoje você mamou quase o tempo todo segurando a mamadeira. Outro dia pegou meu rosto com as duas mãozinhas, olhou muito pra mim e me lambeu com gosto. Agora faz isso algumas vezes por dia – e eu adoro. Você é saudável, parece um bebê feliz e me olha muitas vezes como se brincasse comigo. Acho que tem humor, o que já era de se esperar, a contar pelos pais que tem. Você veio num momento em que eu não mais pensava em ter filhos, tinha chegado à conclusão de que isso não era pra mim. Adorei estar grávida. Curti cada minuto desses nove meses, mesmo depois que perdi seu pai. Adoro saber que você é filho do Gui. Não sei se eu seria a mãe que sou hoje com seu pai ao meu lado. Talvez eu fosse pior em algumas coisas, melhor em outras, mas com certeza a perda do seu pai me amadureceu ainda mais, me voltou a atenção para algumas coisas essenciais que talvez eu não tivesse visto sendo mãe em um casal. Também não seria quem sou hoje se tivesse meus pais comigo. Por outro lado, tenho muito medo de errar em muitas coisas, mas sei que toda mãe erra, de um jeito ou de outro. Se eu perder a moral com você, não tenho a quem recorrer. Perco e pronto. Isso em amedronta um bocado. Mas não sou e nem quero ser a Mulher-maravilha. Acho uma delícia passar o fim de semana com você, mas, invariavelmente, me sinto sozinha e desprotegida. Não daria conta do dia-a-dia sem uma boa babá, como foi a Célia e como é a Cris. E nem sem uma pessoa para me ajudar na casa, como a Odete. Uma das formas de ser uma boa mãe pra você é tê-las ao meu lado, sem a menor dúvida, e eu o faria também com seu pai aqui. Hoje penso que meu formato de vida com seu pai era perfeito e continuaria perfeito depois de você. Eu sempre achei que não seria o ideal a gente morar juntos, embora achasse romântica a proposta dele. Estar sob o mesmo teto o tempo todo não é absolutamente necessário para provar que duas pessoas se gostam. Acho que você será meu único filho. Eu quis muito que o seu pai fosse o último homem na minha vida, queria ficar com ele pra sempre. A gente brincava de ficar velhinhos juntos e tenho certeza de que seria uma boa idéia, pois o nosso papo era delicioso. Sinceramente não encontrei ainda alguém com quem eu tenha tamanha afinidade, mas acredito muito que isso vá acontecer. Não tive tempo de procurar e sei que na vida não é assim que a gente acha alguém. Eu me acho boa companhia e não quero ser uma mãe grudada em você. Quero muito ser sua amiga. E vou adorar quando você tiver idade pra vir dormir na minha cama de vez em quando. Aproveito que a nossa família é peculiar pra poder desrespeitar algumas leis. Nas últimas três noites você dormiu muito bem e foi uma delícia. Foi feriado e tínhamos passado três dias inteiros juntos. Acho que a gente está ficando mais à vontade um com o outro. Bom, por hoje é só. Daqui a pouco vou ter vontade de lhe dizer mais coisas. Filho querido.

Bom dia.



A foto que fiz dele no mesmo café da manhã em Ilha Grande.
Ele olhou pra cima também, fazendo graça. Bonitinho.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Com palavras não sei dizer.



Estava no fundo de tela do computador dele.
O que para mim é uma declaração de amor.
Eu também amava muito o seu pai, filho.
"O seu amor é tão bonito", ele me disse no nosso último encontro.
E era mesmo.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Olha que lindo, Cisco.

Seu pai vendo você.

Só um ano atrás.

From: guifraga
Date: Wed, 6 Sep 2006 10:24:47 -0300
To: Cristiana Guerra
Subject: amorzinho

amorzinho, tenha um dia delicioso.
amo você, pequena.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Desde então.

18/07/06 - LAUDO

HCG - subunidade beta: Método: Quimioluminescência (Bayer)
Material: Sangue
Resultado: 791,80 mUI/mL
Valores de referência:
De 0,00 a 5,00 mUI/mL : Negativo
De 5,01 a 30,00 mUI/mL : Provável gravidez Idade gestacional (mUI/mL)
Acima de 30,00 muI/mL : Gravidez 1-2 semanas 30,00 - 500,00
2-3 semanas 100,00 - 5.000,00
Importante: Resultados na faixa duvidosa 3-4 semanas 500,00 - 10.000,00
( 5,01 a 30,00 mUI/mL ) deverão ser 4-5 semanas 1.000,00 - 50.000,00
repetidos dentro de no mínino 3(três) 5-6 semanas 10.000,00 - 100.000,00
dias após a data da realização do exame 6-8 semanas 15.000,00 - 200.000,00
para definição do resultado. 2-3 meses 10.000,00 - 100.000,00
Obs.: Resultados negativos não excluem gravidez em fase muito inicial.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Sem resposta.


From: Cristiana Guerra
Date: Wed, 17 Jan 2007 10:57:44 -0200
To: guifraga
Subject: Bom dia.


Que dia lindo, né, amor?

Já passei lá na Magma e deixei o presente pro Marcos.
Ele não tava lá.

Eu amo você.

Um beijo.


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1. Foi mesmo um lindo dia, daqueles que ele adorava.

2. Eu disse que amava, mais uma vez. E ele nem precisou ler pra saber. O que me dá um certo alívio. Não faltou dizer nada.

Eterno.

Não sei dizer por que nem pra quê, mas uns dias antes eu disse a ele chorando: "Amor, eu tenho tanto medo de você morrer." E ele me respondeu sorrindo, sereno: "Amor, eu não vou morrer nunca. Você também não." É nisso que acredito.

domingo, 2 de setembro de 2007

DNA.



Eu e seu pai conversávamos muito sobre como seria seu nome todo. Queríamos que fosse apenas Francisco Guerra Fraga, pois ele sempre foi conhecido como Gui Fraga. Mas achamos que o Vovô Ivênio não ia gostar de não ver seu sobrenome no netinho, então decidimos que você se chamaria Francisco Guerra Fraga Moreira dos Santos. A gente já tinha decorado esse nome enorme – e já gostávamos dele. Mas, por ironia do destino, apesar de já estar separado há dois anos, no papel o seu pai ainda era casado. Resultado: depois que ele se foi eu soube que, como se não bastasse sofrer a falta dele, eu ainda não iria poder registrar você como filho dele. Existe um processo na justiça pra provar que você é filho do seu pai, imagine. Então, por hora, você é apenas Francisco Guerra, filho de Cristiana de Souza Guerra e de pai nenhum. Como se ele não quisesse assumir você, filho. Nem o nome dos seus avós, com quem você convive todo fim de semana, estão na sua certidão. Antes de ir fazer seu registro, consultei meu advogado e ele me garantiu que eu poderia colocar o Fraga apenas como homenagem, por enquanto, mesmo não colocando o nome do pai no registro. Isso me consolou, pois, por alguns meses (eu esperava que fossem só meses), por força das circunstâncias, você poderia ter o nome que imaginamos primeiro: Francisco Guerra Fraga. Mas a tabeliã, muito sensível, simplesmente não permitiu. Saí do cartório chorando, lembrando do quanto o seu pai teria prazer em registrar você. Pode demorar, filho, mas você vai ver escrito na sua certidão o nome de Guilherme Fraga Moreira dos Santos. Em respeito a ele, que foi muito mais feliz depois da notícia da sua vinda. Mas o destino ignorou tudo isso: você está incrivelmente cada vez mais parecido com o seu pai.